sexta-feira, 28 de dezembro de 2007

NATAL OU BARRANCOS?



A estrada que obliquamente se direcciona de Évora até lá, em jeito sudeste, conduz-nos à raia de Espanha onde a língua portuguesa se confunde com o castelhano. Ali fala-se o «barranquenho».
Ouve-se música estremenha na praça onde em tempos rivalizava a colectividade dos ricos e a dos pobres. Hoje toda a gente entra nas duas. Os televisores sintonizam os canais espanhóis e todos iniciam a conversa, com um «conho» quando ela é descontraída e veemente nas suas interjeições, procurando do interlocutor, toda a atenção e participação.
Encinasola, a 8 km, terra de cumplicidades com Barrancos desde que o contrabando do café fazia o sustento dos de cá, viu os irmãos portugueses darem guarida aos resistentes da guerra civil espanhola de 1936-39 e sobretudo às suas mulheres.
Talvez por isso, do silêncio se faça história, passada em palheiros ou celeiros onde os cereais se misturavam muitas vezes com outros sustentos.
Mas os povos sempre criaram a sua barca, perante as adversidades de qualquer naufrágio.
Por isso as festas de Agosto têm touros de morte com toureiros espanhóis, que por muito mal que toureiem, são sempre ovacionados até ao delírio.
As bailarinas sevilhanas animam esse mês da reconciliação que é anual. Bebe-se quase até à exaustão e comem-se os touros mortos na praça.

È nesta praça que me encontro nesta noite de Natal.

Entro nas colectividades à procura do som que ecoa nessa mesma praça.
O som é agradável e estranho. Instrumentos suavizam as vozes quase como que, a não querer dizerem o que dizem, mas consigo perceber que se canta sempre o amor…em castelhano, fundido com o português. Que ironia…-penso eu-
«Sam…bonba…Sam…bombita…te quiero em notche bue…na...»
As vozes em coro, combinam-se no tal delírio que leva à vermelhidão de quem se quer fazer ouvir. É uma espécie de suplica, de penitência, sabe-se lá porquê…
Procuro junto dos mais velhos saber do que tratam as canções. A resposta é dada num castelhano mais acentuado ainda, quase imperceptível e sente-se que há alguma comoção no que se diz e mais ainda, no que se sente.
Contento-me com a resposta e tento acompanhar o som e as vozes, naquele espaço de fogo purificador da história das gentes de Barrancos.

É meia-noite e a Igreja que também faz parte desta praça, franqueia as portas para a missa do galo. Está repleta de gente silenciosa, mas sente-se que os milagres acontecem cá fora logo que a missa acabe.
É ali junto do crepitar da enorme lareira que as vozes se levantarão de novo, madrugada fora, num eco dirigido aos irmãos de Encinasola, que dizem, estão igualmente a partilhar o momento de todas as recordações.
Tudo me parece estranho neste Natal. O mistério adensa-se.

Dia de Natal.
Juntei-me a um grupo e dirigi-me a Encinasola.
O meu anfitrião, ido de Barrancos comigo, levou-me à taberna do António, que faz uma «morcilha» fantástica.
Não noto um único trejeito, de pronúncia portuguesa naquela gente. Temos que falar espanhol para que nos entendam. As mulheres, jovens ainda, estão ao balcão com os homens comendo «tapas» e bebendo cerveja e ainda vamos no meio dia. Saúdam-nos com «Olás» em resposta aos nossos «Buenos dias», mas não são efusivos no tratamento.
A «morcilha» e o vinho estavam óptimos disse eu para o António e sugeri que nos viéssemos.
Pensei que em Agosto próximo as coisas se recomporão com certeza, e no caminho de regresso a Barrancos, fiquei na dúvida se algo havia que recompor…

Aqueles 8 km até Barrancos são feitos em estrada nova. A mesma empobrece quando surge a placa que limitava a fronteira e que diz: Portugal.
São horas do almoço de Natal, já se canta de novo na praça de Barrancos, e talvez por ser manhã ouvem-se agora coros alentejanos. Junto-me a eles e afino a garganta para o muito que tenho que contar sobre este tempo que é de Natal, mas que podia ser de resistência.
O regresso a Évora seria nostálgico . Ainda sobrava um pouco de luz e tive tempo para contemplar o imenso Alqueva que da ponte que conduz a Reguengos, se observa.
Vi as vedações que cercam ainda toda aquela água, que parece acorrentada, com Barrancos ali tão perto…

sexta-feira, 21 de dezembro de 2007

OU UM OU OUTRO...


O contágio deste formigueiro humano a deambular em constante ziguezague freneticamente, não se sabe bem em direcção a quê, nesta época de Natal, levou-me a fazer um esforço de envolvimento com esta época e com todos que a vivem por razões aparentemente agradáveis.
Prometo não me envolver mais em lamentações deste tipo. Faço-o hoje só porque é Natal.

Já não me lembro bem, mas acho que era uma espécie de ritual todo cumprido em silêncio, como se o medo estivesse sempre presente.
Era isso mesmo.
Era o medo que dominava os dias que antecediam a chegada de alguém que se dizia ser o Pai Natal.
Lembro-me que andei um pouco confuso em determinada altura da minha infância, por mor disso.
Depois lembro-me também dessa confusão se adensar porque apareceu a figura do Menino Jesus, que também tinha artes mágicas de nos fazer felizes com as prendas que poderiam chegar pela chaminé.
Lembro-me também que as prendas trazidas por qualquer desses personagens, cujo grau de parentesco nunca cheguei a entender, só poderiam ser do meu conhecimento no dia de Natal, de manhã, de manhãzinha. Até lá, era espreitar a medo para a chaminé onde deveria colocar os sapatos cardados antes de me deitar.
Lembro-me ainda que o acto de colocar os sapatos debaixo da chaminé, era sempre antecedido de um certo tremor, porque nunca se sabia se o santo Menino ou o seu parente Pai Natal, não se lembrariam de começar a descer por ali abaixo, quando o tição do candeeiro a petróleo começasse a desmaiar, longa fosse já a noite de consoada.
Se o meu pai era um homem sisudo e austero, nessa noite era apenas austero. Não quebrava a sua rotina habitual depois de jantar, deslocando-se até à cidade onde no café do costume bebia o seu Sical, regressando a casa escrupulosamente pelas 22 horas.
A minha mãe que nesses dias festivos tinha a companhia da minha avó paterna na azáfama da feitura das «filhozes» e dos pastéis de grão, tinha a mesa preparada para a meia-noite, onde todo o tipo de acepipes deliciavam a rapaziada miúda lá de casa.
Lembro-me do meu ar circunspecto, contrário ao dos meus irmãos que se movimentavam sem medo de qualquer acontecimento inesperado, tal era a expectativa que eu tinha criado sobre tal acontecimento.
A prenda teria que caber no sapato e apenas num deles, porque os tempos estavam maus. Disso, lembro-me de ouvir dizer a minha mãe, quase em silêncio, que logo a seguir quase se arrependia por tê-lo dito, face ao olhar reprovador do meu pai a tal desabafo.
Lembro-me de chegar finalmente a meia-noite.
Era aí que tudo começava. O bacalhau e as couves vinham fumegantes para a mesa. O meu pai era servido, a seguir eu e os meus irmãos e finalmente a minha avó, ficando a minha mãe para o fim.
Da capoeira tinha saltado também na véspera, uma galinha que se serviria a seguir de cabidela, e lembro-me de não ficar nada nos pratos.
As consoadas naquele tempo, eram de uma alegria que só as crianças em grande número em cada família, manifestavam, vá-se lá saber porquê. Os mais velhos limitavam-se a algumas palavras e a poucos sorrisos. O que faziam com mais frequência era repreender-nos por cada excesso que cometêssemos, que poderia não ir além de uma gargalhada mais alta.
A minha avó com ar sofredor agarrava-se a uma ladainha interminável, ainda de boca cheia, evocando os entes já desaparecidos. A minha mãe, abanava afirmativamente a cabeça, confirmando a presença dos ditos desaparecidos no reino dos céus. O meu pai atenuava a conversa , atrevendo-se a perguntar aos filhos o que é que queriam do Pai Natal.
A minha mãe corrigia docemente:- Não é do Pai Natal…é do Menino Jesus.
O meu pai afastava-se para junto da chaminé da cozinha para continuar o seu cigarro, o que não me agradava de todo, pois achava que com aquele acto estava a profanar o espaço de todas as minhas esperanças e medos para aquela noite.
As noites eram frias e por entre os taipais das janelas dos vizinhos do bairro, percebia-se que alguns tinham já televisão que nesses noites prolongava a emissão um pouco para lá da meia noite.
-Se o Menino Jesus nos desse uma televisão…
Não me lembro de onde vinha esta proposta, mas lembro-me de a ouvir, sobretudo porque era acompanhada de uma pausa, feita silêncio.
-Quando é que podemos pôr os sapatos na chaminé, mãe?...
Era tão inesperada a pergunta de um dos meus irmãos, como era o meu receio de que algo acontecesse, antes até que a noite começasse o seu percurso madrugada dentro, até ao dia seguinte onde o mistério se revelaria.
-Sabes lá se o Pai Natal te traz alguma coisa rapaz!... Retorquia o meu pai com cara de caso…
Uma hora mais bastava, após lauta refeição, para que os sons daquela família se disfarçassem de bocejos.
-Vá!...vão lá pôr os sapatinhos à chaminé e toca de ir para a cama. Amanhã logo se verá.-Dizia a avó, envolta em roupas pretas.
Naquele quarto com três rapazes, os sonhos iam começar, não sem que perguntássemos uns aos outros o que nos aguardaria no dia seguinte de manhã na chaminé da cozinha.
Tinha-se dissipado para mim a dúvida parental entre o Menino Jesus e o Pai Natal. Mas lembro-me do medo que me ensinaram a ter de qualquer deles, se acaso descessem chaminé abaixo, conhecedores dos meus pecados originais.
O meu irmão do meio, dava o mote para o sono retemperador de tantas emoções, quando movimentava a cabeça para ambos os lados, já com o corpo inerte. O sonho começara nele e eu olhando-o uma vez mais, enrolava-me nas minhas dúvidas e esperanças, até de dia, quando sabia ser a luz a trazer todas as coisas normais, ou seja, aquelas de que me lembrava.

domingo, 16 de dezembro de 2007

FINGIMENTO

Face de Cristo

E pronto! Cá está o Natal outra vez a bater-nos à porta por mão não se sabe de quem, emocionando-nos.
Quando digo isto, lembro-me das minhas deambulações pelo Livro do Desassossego, onde me delicio historicamente com aquele personagem que fez tudo para se tornar mítico.
Obviamente que me refiro a Fernando Pessoa e ao seu egocentrismo, num tempo em que ter a mesma reles capacidade que eu tenho hoje para dizer meia dúzia de baboseiras, ele, sorrateiramente, no seu cantinho do século XX, entre grandes bebedeiras, se apoiava no jeitinho que tinha para dissertar sobre coisas como os natais de todos nós.

De facto, lembrem-se de comprar, alugar, ou pedir emprestado o referido Livro e esperem a comemoração de qualquer época que envolva algum sentimento pessoal, que não tem que ser patriótico, mas que também pode ser, e verão que, em qualquer das páginas em que abram o Livro, encontrarão similitude com o momento que quereis comemorar com grande fervor poético.
Está assim implícito no que digo que, não sou do tipo de me sentir mal depois de ler o Livro. Tal como não me sinto mal com a comemoração do Natal, tal como não me custa nada sentir-me com pele de galinha ao ouvir o hino nacional.
Todavia não me deixo intrujar com as lamechices do Bernardo Soares, quando em qualquer das páginas de todo aquele desassossego, se faz um apelo a uma cumplicidade que a loucura daquele cantinho do séc. XX justificaria até ao suicídio, mas que hoje, não passa de um mero exercício semântico.
Nesta obra, ele tão depressa se confunde com o Menino Jesus, como aparece como o próprio Jesus Cristo, suponho eu, já na fase adulta.
Tão depressa é actor, como não é ninguém. Ama e desama.
Uma viagem a Cascais, podia resultar numa espécie de volta ao mundo evocando-se o inerente cansaço que uma volta ao mundo implicaria, quando afinal se tratava apenas de uma ida a Cascais.
Ele de facto não mente, até porque chega a dizer que, «O poeta e um fingidor, finge tão completamente que chega fingir que é dor a dor que deveras sente».
Ele que se dane.
Vou levar o Livro para as merecidas férias de Natal. È a minha prenda a um poeta qualquer, que por não o querer ser, acaba por sê-lo efectivamente.

Bom Natal a todos

sábado, 8 de dezembro de 2007

AS MARGENS DE ALGUEM


Na ponte que separa as margens
Das margens que o rio tem
Passa um homem solto
Pungente por si mais aquém
A caminho de uma das margens
Das margens que o rio tem

Sobre a ponte que sobra
Do rio que as margens tem
Ele caminha, depressa,
Na pressa, de encontrar alguém
Por saber que no rio com margens
Haverá margens como ele as tem

Passada a ponte o homem parou
Numa das margem e depois olhou
Sentiu-lhe no estuário de um braço só
E ali se reuniu com o rio que alargou
Nele se confundiu e por ele mais além
A caminho do mar foi, sem margens de ninguém

segunda-feira, 3 de dezembro de 2007

MOMENTOS FUGIDIOS

A bebedora de absinto
Como um quadro impróprio de se ver
Nesta fumenta nostalgia dos sopros
De viagens imaginadas em dias ocos
Sou uma espécie de vertigem de prazer

Como quem empurra e se deixa levar
Vim de longe e para onde irei, também sei
Já que há homens sem grei, mas em lei
Que são fluidos, ingénuos e capazes de amar

Mas verto sorrisos que ninguém vê, assim
Só o pintor os sente e por isso espero
Nestes dias de emoção, luxo e desespero
Prostrando-me nua, despida assim de mim

quinta-feira, 29 de novembro de 2007

A NATUREZA DAS REVOLUÇÕES

O Vagão de Terceira Classe
Do telúrico enfeite das nossas vidas
Enjeitadas, porque assim a história o dirá,
Da terra vindas e por lá passado o parido
Nos dias do nosso mester, assim coagido
Em grutas de carvão, por pão quase derretido,
Por vós senhores ricos urbanos
Que geris a cidade do fumo e da fome
Dos nossos homens que se perdem e gastam no fole
Pais de filhos, esta gente, que vós ufanos
Vedes, engomados no óleo que alimenta a prole
Para que vós, com mais valias subtraídas à fome
Façais a história, que assim a história o dirá
Sobre nós,
Vindas do telúrico enfeite das nossas vidas.

segunda-feira, 26 de novembro de 2007

DANTE CONVERSA COM VIRGÍLIO

Dante e Virgílio no Inferno
Virgílio que dos céus imaginaste apenas raios
Que de Deus não tiveste o amor e o sofrimento
Romano como Horácio, poetas de Mecenas
Pecadores convictos por Ilíada e Odisseia
De Eneida, tua épica e irmã cara de sonho.

Aguardaste por mim, nos infernos dos justos
Como heróis por encontrar, numa ardente esfera
Das que unem e separam a procura do achamento
E por isso comigo subiste ao Purgatório em espera.

Narra-se que por eu ter fé, me seguiste crendo
Por cada terra e testamento de heroísmo
Crendo na epopeia que fosse luta com Lucífer.
Mas a salvação do poeta exposto em tempos de ti
Era inexistente além do sonho, na comédia em mim.

quinta-feira, 15 de novembro de 2007

TRAIÇÃO CONSENTIDA

A Morte de Marat

Bela eras na tua formosura, despida
Entre nenúfares de um rio sem corrente
Onde caíam pétalas de um roseiral
Devagar, sobre ideais de revolução cadente.
Mas assim morri nos sonhos de Cristo
Que crê, creio, na justiça do que é belo
Por traição tua e indigna da fé nele
Por ser tua a esfera das coisas assim
Trocaste o útil sentir do medo da sedução
Pelo cruel destino do perecer de mim

terça-feira, 13 de novembro de 2007

REVOLUÇÃO OU MORTE


Conheceram.se no contexto do PREC.
O Joel estaria na casa das duas dezenas de anos e o Vladimir das quatro.
As manifestações promovidas pelo PCP eram quase diárias e colidiam normalmente com as do PS.
As «decisões arbitrárias de destruição da dinâmica de desenvolvimento das cooperativas agrícolas e UCP´s, levadas a cabo por milhares de camponeses e assalariados do Alentejo», era o que estava em causa.
Não faltava fôlego ao pessoal das cooperativas, de cada vez que as palavras de ordem se impunham como arma de arremesso contra as« forças contra-revolucionárias que dominadas pelo grande capital, destruíam a vida dos operários, dos camponeses e dos trabalhadores em geral».
O Joel era um rapaz de punho erguido, palavra fácil e gestos prontos para a defesa dos ideais da revolução. Não faltava a uma reunião do partido integrado na sua célula.
O Vladimir aparecia poucas vezes, por razões de natureza familiar que o obrigavam a ir para a vila, onde tinha a mulher prostrada com um cancro na cabeça havia já 1 ano.
Vladimir era um homem baixo, esguio e rápido de raciocínio. Chegava a abandonar as reuniões partidárias, desrespeitando as orientações do camarada da concelhia, sujeitando-se às admoestações que viria a sofrer mais tarde ou mais cedo.
Sempre que era «aconselhado», procurava o Joel e entre garrafas de meio litro de vinho branco e cigarros Português Suave sem filtro, maldizia a sua sorte.
Joel, vezes sem conta, transportava-o num velho 2 cavalos, fosse a que horas fosse, para que pudesse ver a sua Joaquina, que duraria mais alguns dias ou meses sabia-se lá.
Vladimir era ternurento e referia-se à sua companheira, como se de uma parceira de luta se tratasse. Afinal ela não sabia mais que a lida da casa.
O Vladimir era enérgico e sabedor de leituras complicadas, apesar do seu bigode de corte antiquado ao jeito de feitor do Monte.
Atrevera-se a ler o Capital, e não raras vezes dissertava sobre o Materialismo Dialéctico, subvertendo toda a lógica do partido nas reuniões periódicas.
Qualquer pedaço de papel era bem aproveitado para nele escrever um poema e era com grande naturalidade que esbatia a diferença de idades entre si e os jovens militantes com quem preferia partilhar ideias, aventuras e sonhos. Distante dos seus colegas de ofício, mesmo que filiados no mesmo Partido, era por estes, visto como «de falas estranhas».
O Joel embriagado pela revolução, motivadora de acções radicais no seio das famílias, vira-se sem a sua e ouvia o Vladimir, que dissertava sobre o Materialismo Histórico, procurando nele a expressão mais profunda da felicidade humana, aquela que não transparecia no seio do Partido. Ele sabia que o caminho teria que ser por ali, mas considerava o processo mal conduzido, umas vezes contradizendo-se, outras chorando, outras extremando posições, sempre no seio dos seus camaradas.
Era frequente dirigirem-se, entre a constante dúvida sobre conceitos filosóficos subjacentes à doutrina Marxista e a esperança de matar a fome, à tasca do tio Igrejinha e aí jantarem em comunidade, entre jornaleiros, homens e mulheres sós na procura do limbo dos crentes, jovens de extrema esquerda e sempre mais alguém que entrava como se fosse costumeiro.
Os camaradas do Partido, fiéis aos princípios da doutrina, estavam sempre ausentes de locais que aglutinassem credos diferentes, ou alguma marginalidade. Qualquer discussão mais profunda sobre a tese, ou mesmo a antítese, destruiria toda a dinâmica da síntese revolucionária proposta pela cúpula.
O Vladimir procurava todos os momentos de pausa na desconcentração do Joel para descarregar a sua fúria inconformista na paciência e amizade deste. Por isso Joel ouvia, ouvia…enquanto aprendia a gerir a sua ingenuidade.

Naquelas noites de luta, havia sempre uma pausa para o teatro, onde se debitava Brecht, Molière, ou Marivaux, quase diariamente e onde os actores e actrizes se faziam portadores da mensagem, na vanguarda do processo revolucionário.
Após cada espectáculo, a ceia obrigatória unia os corações daquela grande prole da revolução, na cervejaria que mais tarde interrompesse o sonho permanente.

De madrugada, Vladimir e Joel recolhiam a casa, quase sempre ao mesmo tempo.
Viviam numa residência particular em que um casal de senhores de provecta idade lhes cedia um quarto com duas camas com roupa lavada e muita paciência, na constante incerteza da hora de entrada dos hóspedes.
As formas de abordarem os amores era bem distinta.
Joel, era assediado por algumas camaradas, que não se ensaiavam para lhe propor uma manhã, tarde ou noite de sexo travestida de amor, a que o Joel aderia com a singularidade que o caracterizava em matéria de afectos de inspiração Marxista.
Se a discussão da situação política do país obrigasse a uma reunião mais emergente, o sexo seria secundarizado. Eram as orientações do Partido.
O Vladimir ficava sempre, após cada aventura amorosa de Joel, na esperança de saber como tudo tinha acontecido, na esperança de um dia poder vir a apaixonar-se de forma comparativa, pela viúva de um coronel, que ostentava mais 20 centímetros que ele, mulher de cinquenta anos, com seios que denunciavam a amplitude de intenções que os caracterizava.
Era frequente saírem os três, para festas das redondezas, não anunciadas pelo partido, mas que o Vladimir identificava como pertencendo ao espaço da nossa individualidade, em comunhão com o povo.
Um jovem atlético na casa dos vinte anos, uma senhora respeitável com um metro e setenta e cinco, de carnes abundantes e comprimidas, de negro vestida, ornamentada com colares, e outros adereços ,embebidos em perfume caro e um sujeito de um metro e sessenta, magro, careca e de bigode suspeito. Eis o quadro que S. Dali interpretaria como ninguém na tela, se lhe acrescentarmos um veículo automóvel decadente na forma, como o são os 2cv. com mais de vinte anos, que pendia claramente para o lado que gentilmente Vladimir tinha disponibilizado para a senhora de negro.

Era inconcebível para o Joel que o seu amigo pensasse assim, dois anos apenas decorridos após a revolução dos cravos. A vida do partido estava acima de todas as tentações e vocações. Assim lhe era dito e assim ele entendia por «imperativo de defesa dos interesses dos trabalhadores, face às ofensivas das forças de direita, contra-revolucionárias».
O Joel estudava e a pouco e pouco descobrira escritores comunistas como Manuel da Fonseca ou Soeiro Pereira Gomes. Estas obras, eram parte do sumo da ideologia do Partido que o Joel ainda tanto admirava e servia.
O Vladimir amuava quando o seu amigo Joel não entendia, ou fazia não entender, que a verdade está mais «em quem acredita na essência das coisas e não nas coisas com essência». Era o seu discurso preferido.

A vida do Joel mudava progressivamente, quando começou a sentir que a azáfama dos estudos que ia desenvolvendo, não eram completamente compatíveis com a persistência de ideais contra-revolucionários do amigo Vladimir.
A viúva alegre, as contradições do processo revolucionário por ele defendidas, a ausência de carisma intelectual, apesar do tormentoso mundo de ideias que defendia e a sua teimosia em ostensivamente negar o poder, afastavam o seu amigo Joel.

Certa noite, Joel regressou como o costume a casa pelas 2 ou 3 da manhã e dirigiu-se ao quarto que partilhava com o seu amigo Vladimir.
Estanhara o aparente imediatismo do sono do Vladimir, que se recolhera mais cedo que o costume, e ao atravessar o extenso quarto, apercebia-se de que o rebelde e amargurado amigo a quem a mulher já tinha falecido, já dormia, encolhido debaixo das roupas da cama, aparentemente, como se alguém lhe tivesse afagado as mantas sobre o corpo, sendo visíveis as formas do corpo.
Joel deitara-se na sua cama, distante da do amigo, tal como o permitia a enormidade daquele quarto e nessa noite não reparara mais no seu amigo, que permanecia em postura amovível, adivinhando-se dali uma noite tranquila e calma.
No dia seguinte, Joel acordou e estranhou a permanência do Vladimir na posição em que o encontrara na noite anterior, coisa que não era habitual, sobretudo pela antecipação no amanhecer que levava o Vladimir a saltar da cama, antes mesmo que os senhorios.
Não raras vezes, era ele que batendo levemente à porta dos velhotes, fazia a pergunta já quase obrigatória:
-Avózinha!...ainda dorme??
-Não, meu filho!... Estou já a levantar. Queres uma torradinha?
Vladimir, que se habituara à pergunta, descia as escadas de acesso à rua enquanto o seu sorriso nervoso e expressivo negava a oferta, duma forma sempre carinhosa.

Mas nessa manhã, a voz de Vladimir não se ouvia como nas manhãs anteriores. Vladimir permanecia prostrado na mesma posição da noite anterior.
Joel não teve tempo para pensar como começar aquela manhã, sempre animada pelo amigo. Nem tão pouco sabia se a senhoria estava já acordada ou mesmo levantada. Olhou a cama do Vladimir de soslaio, e dirigiu-se à casa de banho. O banho foi à pressa, acreditando que a todo o momento uma batida apressada na porta casa de banho denunciasse o atraso nada habitual de Vladimir.
Hesitou antes de sair da casa de banho que integrava o enorme quarto e esforçou-se por não olhar para Vladimir. Temia que aquilo em que estava a pensar pudesse estar a acontecer.
Dirigiu-se até à sua cama e dali observou a do seu camarada. Dali via-o ainda de costas, tal como o encontrara no início daquela madrugada ao deitar-se.
Aproximou-.se.
A primeira reacção foi olhar a cara de Vladimir, que sem esboçar qualquer contracção, mais parecia a de um morto. Pressentiu a ausência de respiração do amigo.
Chamou a senhoria que em jeito de sufoco antecipou a confirmação do óbito de Vladimir.
Este permanecia enrolado sobre si mesmo. Os cobertores cobriam-no até metade da cara como se alguém lhe tivesse composto o sono. Sobre a mesa de cabeceira, estava um frasco de comprimidos vazio que Joel nunca soube de que teor.
A ambulância chegou, e Vladimir foi transportado para o hospital para as formalidades de confirmação do óbito.
Joel, mudou de casa, terminou os seus estudos. De Karl Marx e Lenine, passou a interessar-se mais por Durkheim e Max Weber. Interessou-se por J. Piaget e até Coménio como forma de se preparar para o relacionamento com a juventude que iria ensinar.
Fortaleceu a sua visão socializante da vida. Integrou-se no espaço destinado aos agnósticos, na política na família e até no amor.Tivera um amigo afinal e não estivera preparado para o aceitar.

quarta-feira, 7 de novembro de 2007

É DIFÍCIL SER POETA


E o escritor acordou a meio de uma noite.
De início debateu-se com o mistério da insónia.
Depois tentou brincar com ela e interrogou-se se poderia continuar a ser escritor, desaproveitando as condições de silêncio e meditação que a noite poderia proporcionar-lhe e que ele não aproveitava por não se sentir detentor de todas as faculdades, perante o atroz silêncio.
O seu corpo manteve-se amovível ao primeiro reconhecimento de inércia do espírito debaixo dos cobertores e nem sequer se atrevia a ajeitar o lençol, que por alguma razão se desenquadrara do conjunto da roupa que o cobria.
Consegue agora distinguir os cantos do quarto envoltos em penumbra que já considera poética e resolveu colocar-se de costas, corpo esticado, observando o tecto e os contrastes de luz quase pérola, tentando ouvir o silêncio.
Poderia levantar-se agora. Ir até ao escritório e escrever algo de absolutamente estranho ou mesmo encantador ou romântico. A escolha seria de certo difícil.

terça-feira, 30 de outubro de 2007

PESSOAS


A noite era já instalada e Eugénio começava a insinuar a sua ausência de lucidez, mal sentia o pai chegar do trabalho.
Até aí, no seu silêncio e junto de sua mãe que o olhava continuamente com ternura, prostrava-se consciente dos seus medos até, no que de mais terrível pudesse vir a acontecer-lhe, andava pelos 12 anos de idade.
O Eugénio estava a ser um rapaz grande e curvado para a idade. Os lábios eram excessivamente carnudos, e o inferior descaía embalado pela inércia de todo o corpo.
-Eugénio, vai lá à Dona Vicência buscar uma quarta de sabão azul e depois passas pela drogaria e trazes esta garrafa de petróleo, mas cuidado não deixes cair.
-Tá bem!...- soava uma espécie de grunhido que a sua mãe entendia na perfeição
A expressão do Eugénio alterava-se conforme as circunstâncias. A oralidade era marcadamente inexpressiva, com uma sonoridade disforme quando se revelava mais inquieto com situações que ele não conseguia explicar, mas com certeza conseguia sentir.
Sua mãe conseguia perceber-lhe todas as mudanças de humor e por isso mesmo mantinha sempre para com ele uma serenidade e compreensão que procurava atenuar os momentos de maior dúvida, sobre a veracidade daquilo que seria uma oligofrenia ligeira.
O pai, sucateiro distante o dia todo, era recebido sacramentalmente pelo filho que se agarrava ao seu braço de ferro, como se de um tronco precisasse para se defender da avalanche que o remetia para uma foz de medo e insegurança.
-Agarra lá aqui o rapaz!...- e era a ausência pensada da lucidez que se instalava no semblante do Eugénio, vivida num ambiente hostil.
Ambiente de Deus, Pátria e Família, que constituíam a trilogia estranha, de crescimento das espécies seleccionadas à nascença, pela raça e pela crença no regime paternalista, idealizado à imagem do ditador.
Tal como era próprio do Alentejo corporativista e conservador nos usos e costumes. As famílias nele vividas, assim eram paridas, sem fé, mas com grande fervor na aceitação do sofrimento.

Hoje o Eugénio não tem pai nem mãe, nem sabe se houve revolução.
O seu corpo sofreu alterações, mas dizem que continua com uma oligofrenia ligeira, que lhe permite escrever cartas a mulheres de ninguém.
Essas mulheres encontram nos anúncios do jornal regional, que o Eugénio pede que se publiquem mediante pagamento, uma esperança de retorno das suas vidas.
O Eugénio por outro lado não quer o retorno. Procura avançar no caminho das estrelas de que continua a não falar, mas que se sente estarem no seu desejo de ser um dia alguém ainda reconhecidamente imputável nos seus actos de procura de amor.
Não evoluiu para o mundo virtual das relações escondidas. Procura prostitutas e drogados como forma de se fazer entender no seio da normalidade cada vez mais perto do seu entendimento e que ele reconhece estar mais perto do entendimento dos outros.
Vive de uma pensão de sobrevivência e do apoio de instituições de caridade.
Aprendeu a mentir, esboça palavras de solidariedade procurando evidenciar a sua má sorte e fá-lo com tanta certeza de não falhar nos interlocutores que só é ouvido por esses. Por aqueles que o ouvem.
O Eugénio apaixonou-se.
Em sua casa alberga o seu grande amor de quando em vez. Aceita também o namorado do seu grande amor. Alguns imigrantes desprovidos de meios também por lá dormem e festejam a desarmonia dos incautos.
Alguém dirá que desajeitadamente se drogam e embebedam, acordam vizinhos e estilhaçam vidros na folia que ninguém, nem polícias se atrevem a perturbar.
O Eugénio e os seus companheiros nunca saberão que se ama e odeia tanto no silêncio dos inocentes. Os seus olhos assustados quando encontram os dos outros, quase que confessam os seus desajustes sociais, mas o Eugénio não deixa.
É ele que define as estratégias. É ele que abastece a sua casa para os festins com os seus amigos. O tempo corrói cada tempo que vivem, porque esperam sempre o tempo que há-de vir.
O Eugénio já não escreve cartas de amor. Prefere que lhe chamem mendigo e acompanha o seu amor por toda a cidade.
Um dia alguém se enganou e encaminharam-no compulsivamente para um hospital psiquiátrico. O psiquiatra absolveu-o de tal demência.
As noites para o Eugénio já são iguais aos dias. Acha que atingiu a plenitude da sua lucidez.

terça-feira, 23 de outubro de 2007

METAMORFOSES DO ÓCIO


Feito de vómitos e nascido
Eis o ócio parido
Berra com vigor por nascer
Saberá que feito por prazer?
Adormece nos mamilos cegos
Desperta, fala, corrige
O trato de quem o dirige
Ocupa-se e diverte
Ou pensa e enternece
Ou organiza-se e oprime?


Pensa morrer ou continuar
Porque a vida não é sua
Estremece se a vê nua:
-Corpo, alma ou espírito?
-Onde está o que sinto?
É tocado onde melhor sente
Esquece a dor dormente
Do que tem sido e conforme...
Rejubila pelas ideias
Embriaga-se pela sequela
Não entende as caras dela

Sim...morrer ou continuar
Porque a vida não é sua
Já não a vê só caminhar
Quer na sua mão crua
O segredo da dela nua
Por não saber adivinhar.
Agora pensa e enternece-se
Não se organiza nem oprime
Antes sonha, escreve e corrige
Na procura da frase sublime
Que a possa encantar


Eis o ócio vivido
Sem querer por ela ser ouvido
Prostrado que estava no seio
Da mãe que o havia parido

domingo, 21 de outubro de 2007

BESTIAL!


Aqui há uns tempos (meados do séc. XX) fundou-se nos EUA, uma organização denominada Liberty Lobby, de cariz marcadamente anti-semita e defensora dos ideias nazis.
Até ao início do novo século, o termo Lobby, vem sendo utilizado para identificar determinadas organizações, mais ou menos particulares, independentemente da sua vocação.
Pelas complicações que a Liberty Lobby teve durante aquela metade de século, foi-se percebendo, até por obras publicados com pseudónimo dos seus fundadores, que os ditos senhores não davam «ponto sem nó».
Por isso mesmo, hoje, quando se fala de Lobby, fala-se de algo de cariz medianamente secreto, ou pelo menos restrito à maior parte das pessoas bem intencionadas.
O mundo da Blogosfera, está cheio de pretensos Lobbys.
É vê-los defendendo algo que consideram ser exclusivo da sua competência, da sua vontade e da sua originalidade intelectual.
Todos sabemos todavia, quão pelagiadores são muitos desses pretensos autores, escondidos atrás de pseudo-nomes , com o objectivo de criarem um maior impacto nos incautos leitores dos seus espaços. Sim,porque de espaços públicos se trata!...
Não vou obviamente referir-ma a que tipo de lobbys me refiro.
Uso hoje este meu espaço para me arrepender de ter entrado em covis (blogues) onde não devia ter entrado.
Facilmente me apercebi que falta honestidade intelectual a muita gente que se protege em juramentos de fidelidade, mas que depois, tal como Hipócrates, facilmente resvala para a hipocrisia.
Todos sabemos que tal como em Roma se deve ser romano, na Grécia se devia ser escravo para ser pedagogo ou homem de ciência. Era natural por isso que se assumissem procedimentos falaciosos, traiçoeiros e mesmo servis com o objectivo de se atingir determinado estatuto.Mas como continuo a ser bem intencionado, para mim o que resulta de tanta talta de sensatez para quem entra no espaço que lhes pertence é uma tremenda falta de mimo

quarta-feira, 17 de outubro de 2007

QUE SOM É ESTE?


O maioral das cabras não sabia o que se passava para lá do outeiro que separava o seu rebanho do resto do mundo.
Entre sargaços de cheiro intenso, floridos de branco como que para disfarçar a rudeza do seu crescimento, o amigo das cabras falava com elas, umas vezes em voz alta, acentuando a sua supremacia emitindo sons de firmeza, outras em jeito de carícia que incidia em si mesmo, deixando descair a cabeça e o som das sílabas ao mesmo tempo que as suas palavras se sumiam.
Sentado junto ao redil, encostado ao muro de pedras de xisto, o maioral ficara a saber que havia festa para os lados da aldeia, mas a sua tez castanha onde se distinguiam dois olhos enviusados de brilho denunciavam já muitas transumâncias,
Dissera-lhe o abegão que por trilhos pedregosos subira lá acima com a parelha, de carroça amanhada para o carrego do leite, que havia festa na aldeia, por decisão da comissão da cooperativa.
Era sem jeito que o artesão participava ao maioral o acontecimento festivo, sorrindo matreiramente, enquanto impava com exagero no carrego do leite para cima da carroça.
-Atão porque nã deixas aí o «ajuda» com as cabras e nã vens à aldeia com a gente!?...
A modos que vêem aí uns cantadores de Lisboa!...
O maioral habituara-se ao coaxar vindo do lado do ribeiro em noites de lua cheia. Isso sim, era-lhe familiar, como o vento. E embora as rãs o visitassem sempre que era noite, ele via sempre em cada dia a esperança do som da noite seguinte, que aguardava como se aguarda uma voz entre o silêncio das coisas imóveis e sombrias que ele sabia serem arvores de cortiça e bolota, que sabia tantas coisas trazerem-lhe…
Imaginava nas arvores majestosas de grande copa, uma espécie de homens que o visitavam em surdina, enquanto as suas cabras dormiam no redil circular de muralha de pedras de xisto, alguns metros abaixo da sua choupana coberta de colmo e outros ramos.

O seu tempo esgotava-se assim do dia para a noite, em experiências de maneio do gado até ao repouso das histórias de homens que falavam da vida que ele nunca quereria ter.
Não iria à aldeia.

À porta da cabana, o maioral aguardava ansioso a descida da parelha e do antigo feitor, que levaria o leite até ao monte. O cajado, os safões e a manta lobeira farão o seu aconchego e companhia até ao despertar da aurora.
Os homens que o visitarão nessa noite trazem-lhe histórias de guerras e outras de traição, de amores de mulheres que ele nunca vira, de outros homens que nas cidades falavam de coisas nunca vistas e ele, na penumbra que tão bem conhece, sorrirá sem que ninguém se aperceba, porque de menino outrora, se recorda não ter tido nem o calçado dos dias de feira, quanto mais o sorriso.
Será a sua fantasia.
Mas só, sorrirá, por lembranças que deixou passar incólume, e que ainda hoje, sobretudo à noite entre giestas recordará inocentemente como se de amor se tratasse.
As árvores cercarão o homem só, no seu compromisso cadente com a natureza, num pacto irresistível de isolamento, de companhia com o espaço onde uma espécie de urros nocturnos se assemelharão a notícias trazidas pelo vento, notícias sobre homens, que o poeta evocará num tablado da aldeia entre acordes duma guitarra.
Esses sons não chegarão até si. Apenas o clarão furará o breu da noite lá longe, que ele olhará ameaçado e distante.
A choupana ficaria deserta nessa noite de convites e lembranças. Dormirá no giestal, onde se sentirá seguro da existência do ar que o ar dá.


Na aldeia noite fora, o trovador cantará a sina do pastor, pedindo vida e alegrias. Ecoarão ainda gritos de revolta de amor e até da revolução, enquanto o maioral, envolto na sua solidão, estranhará o ajuntamento que para lá do outeiro os homens brindam, esquecidos de si, e da sua estimação.
Ouve-se sumido, um grilar vindo da terra pouco revolta. O tilintar de um ou outro chocalho. Sente-se o perfume dos malmequeres que inspiram a um sono atento.
Mas o poeta das cercanias das palavras que ditam as cidades, vive a clemência do rigor das coisas justas. Inventa a justiça como a bravura no seio da natureza.

segunda-feira, 15 de outubro de 2007

sEM tITULo


Em quantos oceanos se navega, quando o fundo do mar se encontra tão perto de nós…

segunda-feira, 8 de outubro de 2007

O ECO


Sobram silêncios e sombras
Nas costas do vento que passa
Que não traz nada
Que apenas passa


Cantigas de Maio e de sempre
Novas e velhas, antigas
Que juntam povo e gritos
Poetas velhos e políticos novos
Odores de dias e rancores
Perda de todos os amores
Outros que virão
Nas costas do vento que passa
Que não traz nada
Que apenas passa

Volátil nuvem colorida
Feita de cantigas e bandeiras
De todos unidos nas maneiras
Até à chacina dos poetas
Dos pensadores sem sono
Vigilantes atormentados
Com os outros que todos somos
Que viam o vento que passa
Que não traz nada
Que apenas passa

segunda-feira, 1 de outubro de 2007

O HÁBITO NÃO É TUDO...


«Tudo quanto o homem expõe ou exprime é uma nota à margem de um texto apagado de todo. Mais ou menos, pelo sentido da nota, tiramos o sentido que havia de ser o do texto; mas fica sempre uma dúvida, e os sentidos possíveis são muitos.» (Trecho 148)

Bernardo Soares-in «O Livro do Desassossego»

A Igreja sempre soube interpretar religiosamente a vontade do homem, mesmo que jovem ainda procurasse a ironia das coisas em vez das coisas irónicas, ou pecadoras.
As missões católicas sobretudo depois da Contra Reforma assumiram um carácter evangelizador, sustentadas na verdade de escrituras consideradas textos sagrados.
Ao debruçar-me sobre Pessoa e o seu desassossego, não deixo, nem deixarei de, por um lado, me envolver na coisa sagrada que em todo o mundo assumiu e assumirá sempre um papel de sustentabilidade das nossas emoções e contradições, como não deixarei de considerar sempre incompleto o texto que emana da profundeza da Palavra.
Quer enquanto feitores ou guardadores do segredo da fé, quer enquanto detentores da descoberta da Verdade, haverá sempre no espaço da contemplação, momentos de excitação, hesitação e confiança, que a nenhum pregador ou confessor caberá julgar.

sexta-feira, 28 de setembro de 2007

A «PEQUENA» HISTÓRIA DA NUDEZ


O bairro ficava fora das portas da cidade, como todos os bairros da cidade daquele tempo.
No seu espaço imaginavam-se uma espécie de segredos donde emanavam mistérios do centro até à sua fronteira.
Os gaiatos viviam na extremidade das histórias e segredos por contar.
Naquele bairro, indistintamente surgiam poderes mistos que todos respeitavam, e que identificavam conforme a fé, medo ou dúvida, coisas típicas dos segredos e das histórias de amedrontar e encantar .
A cidade era diferente: tinha uma muralha que a circundava o que acostumava os moradores do bairro a trajar as melhores roupas para lá entrar .
Por isso o bairro tinha pontos estratégicos de defesa. Por lá se vivia, por lá se ficava.
O bairro tinha barreiras invisíveis para quem vivia na cidade, apenas conhecidas pelos que lá se fixaram desde o início do século, vindos dos montes espalhados pela planície.
Barreiras também conhecidas pelos que lá pernoitavam por vezes: privilégio de malteses, ciganos, saltimbancos e até tendeiros, que frequentavam sazonalmente as feiras de muitos santos e outras de gado, no imenso rossio fronteiriço ao casario e quase sempre verdejante.
Um dia, até um «galego», lá se instalou, beirão do interior, que vindo com a família para a jorna da «aceifa» por lá ficou, numa casa de uma divisão só, por trás de um muro alto.
Havia também uma velha que fazia «cozeduras» para males que se dizia não terem cura.
Um lavrador mantinha uma casa com grades de ferro nas janelas, quase sempre fechada, até que em dias de feira a abria para ali permanecer encafuado com o cheiro a mofo que se sentia ao passar por perto.
O do tribunal, oficial de diligências, homem vestido sempre de preto, distinguia-se pelo seu cargo e severidade de expressão. Alguém que ele cumprimentasse à sua passagem era pessoa de estatuto diferente.
O Roque das vacas, onde de manhã cedo ou pela tarde, acorria a pequenada com cafeteiras ou panelas de alumínio para o leite fresco; o hortelão do beco, onde havia sempre temperos e hortaliças frescas a qualquer hora; a taberna do Germano; o sapateiro Ornelas; o sol a pique e as regas matinais das ruas poeirentas com a mangueira da câmara.
Os outros homens e as outras mulheres fixavam-se nos vários mesteres e na lida da casa, respectivamente, e eram esses os pais dos gaiatos daquele bairro.

Os gaiatos do bairro, regressavam da escola abençoados pelo santo padroeiro e pela côdea acompanhada do queijo açoriano, que os padres distribuíam depois do terço das 17horas e tanta ave-maria
Assim em grupos, mostravam-se folgazões e destemidos, em jornadas de muito pó e desalinho do bibe de chita, com a lição bem sabida e a boca cheia, a caminho de casa.
A tarefa de despirem o bibe, descalçar as botas cardadas e correrem descalços para o rossio, entre vacas, perus, galinhas e patos que pastavam e espenicavam, coincidia com sorriso que encarnava o espírito da fantasia.
A bola de trapo fazia o resto, até quase ao dispor do sol sobre a terra, para os lados do acampamento cigano ainda nos limites do bairro, junto ao ribeiro.
Quase não havia tempo de completar o resultado de golos combinado previamente (8 golos para o vencedor com mudança de campo ao intervalo de 4).
A mancha cor de fogo que prenunciava a oeste do final do dia, parecia não querer deixar acabar o jogo e os corpos estafavam-se numa correria que nem um pontapé num calhau mais saliente interrompia.
Sem que a mansidão do calor que a noite anunciava deixasse de ser cúmplice no suavizar do arrefecimento dos corpos suados e surdos, os gaiatos, começavam a ouvir ao longe os primeiros gritos das mães para o jantar. Era um ritual que se repetia diariamente, quase sempre sem acolhimento ao primeiro clamor.
Às vezes, uma espécie de desânimo se apoderava dos gaiatos por não poderem cumprir o resultado combinado. O recurso aos «penaltys», iria arrumar a questão e por fim à disputa sempre levada a sério, enquanto se ouvia ao longe o cântico árabe, vindo de cada voz feminina em forma de choro, lamento ou chamamento maternal.
A caminho de casa, os gaiatos discutiam as jogadas mais ou menos concretizadas, ainda entre sons das malhas de ferro que se ouviam acertar nos chitos de pau junto à taberna.
Os gaiatos faziam ainda uma paragem para ver as habilidades dos homens e ensaiavam gestos de lançamento, para quando um dia pudessem arremessar a malha àquela distância.
-Vai já lavar os pés, para ires jantar, porque o teu pai já está na mesa!...-Diriam as mães em uníssono se todas as casas se dispusessem em beco. Mas todas eram abertas ao rossio.

A refeição do jantar, em algumas casas do bairro mais interior, era ainda enfeitiçada pela luz do candeeiro a petróleo, que envolvia numa espécie de meditação concentrada no silêncio amarelado mas severo que aguardava a voz do pai.
Todos os gaiatos do bairro tinham irmãos, quase sempre mais pequenos. Um dia seriam rapazes e depois homens. Mas enquanto gaiatos, estavam sempre prontos para irem a qualquer momento à padaria e mercearia da D. Cesaltina, à taberna do Sr.Germano, ou à drogaria do Sr. Florêncio, fazer pequenos avios para «assentar».
Fiado era o código que os comerciantes do bairro , mais gostavam de ouvir pronunciar. «Judeus» seria a designação que em surdina, mereciam por parte dos pais dos gaiatos do bairro.
Mas o meio kilo de açúcar, que haveria de dar sabor ao café de chocolateira com leite, do dia seguinte, acompanharia em jeito de esquecimento, as fatias douradas que muito cedo uma mãe fritava ao som do acordar da família.


As noites de estio naquele bairro tinham pouca luz, mas tudo se adivinhava na penumbra do casario baixo ao jeito dos montes .
Havia na rua ao serão, lugares para os gaiatos à esquina da casa do sapateiro, sentados em posição fetal, apertando os joelhos contra a barriga, quando gracejavam docemente sobre a menina das tranças que vivia na rua das Flores.
Era a Isabelinha da trança de oiro, imaculada como a Nossa Senhora, e por isso intocável, que fazia corar os gaiatos a cada passagem sua, limpa e perfumada.
Um olhar dela deixava-os sem dormir, querendo mais, cada um deles, que tal emoção jamais viesse a acontecer.

Valia-lhes o Quitote cigano, que desprovido de amores, incitava os gaiatos como ele, ao conto de anedotas do Bocage noite fora, até que da Sé se ouvissem as 11 badaladas. Ao mesmo tempo, as telefonias punham fim às novelas radiofónicas, entretenimento das mães dos gaiatos do bairro, que por dentro de casa, de janelas escancaradas e de luz apagada, sentiam a brisa do sonho que os cortinados de tecido barato e semi-transparente lhes levava em segredo, naquela noite amena. Os pais dos gaiatos aguardavam o dia seguinte, sentados no poial das portas ou em cavaqueira com outros homens que os gaiatos não entendiam.

O Quitote regressava à fronteira do espaço da fantasia, ali junto ao ribeiro por onde era visto junto à tenda albardada, como é do nomadismo, onde o esperava uma fogueira rodeada de sombras.
Quando os gaiatos se encaminhavam para as suas casas, de onde mais um grito confirmava o seu regresso para os sonhos que a noite traria, o bairro começava a cobrir-se de neblina, aconchegando a coragem daquela gente, num casulo de esperança, ali às portas da cidade amuralhada

segunda-feira, 24 de setembro de 2007

SABER OU SENTIR


Procuro um lugar, pequenino
Onde me veja e eu a ela
Na esteira do sonho que me acorda
Em cada visão de natureza

Vejo outros para além dela
Agora que a sinto em meu redor
Sinto um aperto de dor
Anseio pela maré que transforme
O saber no sentir de amor

quinta-feira, 20 de setembro de 2007

NUDEZ


«Sob o manto diáfano da fantasia
a nudez forte da Verdade»
Eça de Queiroz

Não gosto particularmente de usar frases feitas.
Gosto outrossim de destapar constantemente o manto diáfano da fantasia, por sentir que sob ela se esconde o que quase nunca queremos sentir, olhar, tocar, chamando às coisas amolgadas, coisas mortas ou mesmo estagnadas pela longa efemeridade que as atravessou.
Paradoxos.
Mas ficam tão visíveis os sinais da nossa ambiguidade...
Que ideias, que desejos ou ódios, emergem dos vestígios do nosso esquecimento?
Porque insistimos em viver sem referências da nossa história?

Por mim, acredito que posso vir a acreditar em tudo o que esqueci, mal sinta o efeito da fantasia.

sexta-feira, 14 de setembro de 2007

TAMBÉM HAVIA MECÂNICOS QUE NÃO BEBIAM CERVEJA


A austeridade de uma lâmina que a uma velocidade vertiginosa, torneava a peça de ferro, a várias velocidades, até que fosse possível colocá-la na engrenagem, moldava a atenção costumeira do artesão.
A arte brotava a olho, por tentativas e sem pressas, sempre em constante expectativa, desde que o torneamento cillíndrico, triangular ou hexagonal, permitisse um rigoroso desenho técnico, que satisfizesse as mais elaboradas exigências mecânicas daquele motor aparentemente sem concerto.
Desde o desarme peça por peça do motor, à sua reposição na carroçaria já corroída, decorria um tempo de paixão entre o homem e a sua obra. Diria até de amor.
O desperdício limpava o óleo sempre presente nas mãos, motivador, até que a sujidade do macaco fosse denunciando ao longo do dia, a lenta agilidade do mestre, que no entusiasmo e entre sopros de alguma fuligem e cinza de cigarro, continuava com os olhos na sua criação.
Era vê-lo, momentos antes de accionar a chave de arranque do motor, agora devidamente afunilado no esqueleto de chapa, esboçar um sorriso maroto, cigarro sempre na boca, cúmplice de momentos de contagiante concentração.
Contornava o carro depois de pronto, entrava e saía , sorrindo, «ía fazer uma mija» como dizia, voltava agarrado ao desperdício insinuando limpar as mãos já negras mas sem óleo. Reflectia sobre o que se seguiria.
O cigarro na boca, com a cinza a desmaiar-se agora com mais pressa, o nervosismo de sempre depois da obra acabada, o tal sorriso que não desarmava, o silêncio do patrão e dos aprendizes e o meu, eram o sinónimo de algo que ia acontecer, num espaço de poucas conversas, chapas retorcidas, ferros de todos os tipos, estendidos, inertes, engolidos pela vegetação que cercava o barracão a que se chamava oficina.
O patrão de mãos atrás das costas passeava-se nervosamente, com passos vagarosos, mais desajeitados mas persistentes, entre o renault 4L agora pronto, e o seu espaço atravancado entre metais e pó, a que chamava escritório. Era ali que sentenciava semanalmente em jeito de «mea culpa», o mísero salário a atribuir a cada um dos seus operários sem ideologia, que atendia à vez.
O Manuel que começara a aprender o ofício com o meu pai, quando eu frequentava a escola primária, ali bem perto, esperava que eu depois da escola passasse por lá, para me confrontar com os segredos daquele espaço negro e de cheiros intensos, que eu aprendi a conhecer a pouco e pouco. Rara era a vez que eu não saía dali com as mãos ou o nariz mascarrados. Mas eu gostava mesmo era de dar à manivela na forja, quando o carvão mineral ardia e libertava as fagulhas que diziam estar a tornar o ferro mais mole e incandescente.
O Chico era mais novo que o Manuel e passou muito tempo a «arrumar a ferramenta», até que arranjasse jeito para o ofício.
O meu pai, estava agora em condições para pôr à prova o Renault 4l..
O Manuel e o Chico apressaram-se a ir ao escritório chamar o Sr. Fernando. Este, possuído de uma ansiedade silenciosa, contrariamente ao que era habitual, surgia de rompante por detrás das teias da aranha.
Fazia-se um cerco ao carro que de «capot» aberto, começaria intencionalmente a trabalhar ao segundo movimento na chave da ignição. Era o meu pai a criar o medo onde ele não existia.
O Manuel, mais homenzinho, deixava escapar uma risada mais estridente, o Chico ficava muito sério e o Sr. Fernando virava as costas, a caminho do seu recanto, como se o telefone o chamasse, anunciando uma outra obra.
Os ouvidos apuravam-se, na procura de um registo diferente no motor do velho carro. Sucediam-se meia dúzia de acelerações progressivamente mais fortes. O meu pai saía, deixando-o a trabalhar e de chave de fendas em punho vinha afinar o «relatim».
Afastava-me do acontecimento com um : -Chega para lá rapaz!...
Afastava-se ligeiramente, ele também, auscultando depois, a uma distância mecânica o som do motor, único interveniente vivo e dinâmico, num espaço de cumplicidades que eu ainda não entendia.
-Parece um relógio!...dizia o meu pai, sorrindo, enquanto reparando que eu ainda por ali andava, me mandava ir para casa, ter com a minha mãe, não precisasse ela que eu fosse fazer algum «mandado».
-Vai lá paposseco!...vai lá para casa…reforçava o Sr. Fernando.
Metia-me pela azinhaga que dava acesso ao bairro onde vivíamos e no percurso, por onde pontapeava com jeito de futebolista uma ou outra pedra, encontrava uma explicação curiosa: Eu não mais perguntaria ao meu pai se podia com a espada do D. Afonso Henriques.
Evitaria assim a resposta costumeira:- Não sejas parvo rapaz!...Mas quem é que te meteu essa história na cabeça?...
Ainda hoje acredito que ele poderia ter pegado nessa espada.

sábado, 8 de setembro de 2007

MALTA!..MUDAMOS DE VIDA?


Li algures algo como: «Às vezes, a literatura não muda mesmo as nossas vidas. Não é?».
Continuei a ler e reler aquilo, e a ficar incomodado.
Desprendidamente, depressa me preparei nesta tarde, para me atirar a alguém que estivesse a sacrificar-se daquela maneira, insinuando que a literatura serve para mudar a vida das pessoas, assim….
Ou seja, preparei-me fazendo algum esforço intelectual.
Tal foi a pressão que senti nestes anónimos, (autores do blog onde tudo se passa) e reactivos escrevedores equiparados a pessoas que vivem a escrita de forma especial (cúmplice), que fiquei preocupado.
Direi mesmo que senti que vivem a escrita com saciedade, quiçá por não terem encontrado ainda o espaço da sua individualidade: «Às vezes, a literatura não muda mesmo as nossas vidas. Não é?»
Arre!!...São perguntas que se façam??...

Visto isto, estou assim preparado para dizer que se por um lado me aborrece quem escreve pensando que se pode inibir por fazê-lo, como se se apodera de mim uma espécie de temor pelo facto de sentir que esses temerários escritores têm capacidades que eu não tenho, dificultando-me a sua compreensão. E o que é mais grave é que o dizem duma forma enigmática, quando têm tanto espaço para o fazer de forma directa.
Eu teria dito: Como podem vocês acreditar que poderão algum dia, mesmo axiomaticamente, perceber o que é isto de escrever?
A sério que o faria, se estivesse com preocupações de ordem académica, financeiras, sexuais ou mesmo metafísicas.
Irrita-me muito que as pessoas se distanciem das outras pessoas, utilizando as palavras, salvo quando patologias psíquicas os remetem para o espaço do isolamento depressivo, ou quando alguém lhes diz que a terapia para esses males se encontra na subversão do medo, quando a cura estaria no encontro com o dito.
Claro que assim, a literatura não poderá mudar as nossas vidas.

domingo, 2 de setembro de 2007

O INFINITO É JÁ ALI...


Há quem percepcione a finitude das coisas e as sujeite a um processo de desgaste excessivamente racional, com repercussões por vezes graves na sua saúde mental e física. Por isso se fala de férias…
Por outro lado há quem converta essa sensação de afunilamento das ideias e efeitos colaterais, apenas, numa reconciliação com a normalidade. É o baixar os braços…
O espaço surge-nos muitas vezes inclinado ou oblíquo, limitando ainda mais a nossa acção, sobretudo quando temos da realidade política, económica, social e religiosa, uma visão rectilínea, conformista e pouco reflectida.
Nesses espaços, muitos de nós aguçamos quotidianamente as garras de predadores irracionais, e caminhamos para o abismo, onde nos aguarda a força das marés, que exercerão o seu poder selectivo.
Proponho neste regresso do espaço das boas vontades por onde andámos, o retomar do caminho da nossa existência/consciência.
Iniciemos pois de novo, mas agora a partir do ponto em que ângulo se fecha, uma nova procura: conscientes, menos vesgos, menos obtusos, menos enviesados.
Mais cultos, mais presentes.

domingo, 12 de agosto de 2007

TEMPO MÍSTICO


É tempo da sazonal reconciliação do rio com as suas margens.
Sejamos testemunhas dessa harmonia, em tempo de descanso dos nossos delírios quotidianos.
Uma vez em contacto com a natureza, teremos oportunidade de nos aproximar em espírito e em corpo, da nossa substância.
Aceitando a natureza, teremos conquistado a motivação mais espontânea do nosso espírito, que uma vez desperto para essa relação, exercitará a mente no sentido de tornar as nossas vidas valiosas.
Não é fácil, em contexto educacional, com determinações sociais rígidas e cada vez mais imperfeitas, abrirmos a nossa mente a uma educação que procure a nossa felicidade.
No entanto, o treino disciplinado do nosso espírito, no sentido da harmonia com a nossa consciência, fruto do impacto de uma determinada acção, que vise a compaixão, por exemplo… perdurará depois por dias, meses e anos.
A compaixão com a natureza e todos os seus elementos.
A partir daí, podemos usufruir em determinados tempos e espaços, com certeza absoluta, de uma disposição permanente, de partilha de felicidade se a experiência foi ao encontro do despertar de uma potência latente, que está em nós muitas vezes adormecida.

Vou na procura do meu reforço nesses lugares…
Voltarei ainda mais consciente da necessidade de retomar este espaço.
(O canal fica aberto. Usem-no com sapiência)

Boas Férias

terça-feira, 7 de agosto de 2007

O TEMPO PODE ESPERAR....


Enquanto se espera, o tempo percorre o espaço vazio da solidão, da esperança ou do desespero.
O tempo é inexorável e segue o seu trajecto, tal como a corrente dos rios, que arrastando mesmo vozes que neles clamem por novas oportunidades, se quedam mudos, severa e serenamente indiferentes ao espaço que percorrem.
Se quisermos inventar uma cadeia trófica aplicada à relação entre o imaginário de cada um de nós, com a natureza do tempo, claramente ficaríamos a ganhar no espaço que nos pertence preencher nesta subjectiva pirâmide alimentar.
Todavia, no topo da hierarquia, de espaço simbólico por ínfimo, que concentra o mistério visível e paradoxalmente imperceptível, indiferenciado, da existência perene dos poderes sobre a humanidade, coloca-se o tempo.

Impõe-se por isso agir, quase sempre, para benefício pessoal na resolução de problemas, que insistem em bloquear a natureza de cada um, ou para evitar que outros tomem a iniciativa de decidir por nós, mesmo em contextos de maior complexidade.
Trata-se afinal de não deixar que se subverta a natureza do espaço em que se nasce, vive e morre.
Agir em desordem, desânimo ou confiança, mas agir.
O equilíbrio prevalecerá.

quarta-feira, 1 de agosto de 2007

DEUSAS DE NÓS


E a mulher, só, no esplendor da sua contemplação, no meio da multidão, sentia-se a anunciadora da vontade dos homens.
Sacerdotisa dos tempos de cólera, só poderia ter sido ela a colocá-los perante as constantes provas de valentia…
Interrogou um homem distraído:
- Porque não sorris como eu?
O homem distraído e atarefado respondeu::
-Porque…olha, porque não sei!...
Ela que trilhara o caminho dos homens empreendedores, agora, ao levantar os seus ossos do chão, comovia-se perante aquela demonstração humilde e tangente da procura de afectos.
Sorriu e continuou o seu percurso sem deixar de sorrir, reconhecendo o seu erro.
Decidira deixar para trás a história, que os homens abraçam, eternamente cegos porque ignoram o retorno do seu olhar.
Indiferente aos olhares maliciosos, carentes e assustados dos homens que por ela passavam, iria iniciar a sua reconstrução.

domingo, 29 de julho de 2007

O HOMEM EM FESTA


São festas em Agosto.
O homem por cá esquece-se que existe inteiro e vai para a praça tentar recordar-se apenas de si.
Por vezes a mulher chama-o, os filhos também, mas ele adormeceu o lado esquisito da vida a permanece de mãos nos bolsos, indiferente a todos que dizem conhecê-lo.
Evade-se, porque o invade um sorriso que raramente reconhece ter e não quer perder, enquanto olha e ouve a música que ecoa naquela praça.
A música invade-lhe os sentidos e pensa-se poeta, músico, astronauta e até cantor.
Tudo menos o que é.
Permanece de sorriso constante enquanto a ouve e sabe que alguém o observará naquela posição de estátua.
Sabe que lhe estarão a chamar louco.
Mas é naquela posição que quer permanecer, por breves momentos, enquanto se sentir diferente dos dias em que a música não se ouve naquela praça.

terça-feira, 24 de julho de 2007

CREPÚSCULO




O homem recolhe-se no estuário de um rio e chama-lhe a sua casa como se de fora tudo viesse como estranho.
Percorrera sem fim o rio para montante, petiz ainda na companhia dos homens da vila, mas estranhara o azedume daquela caminhada de eterno regresso.
Desceu um dia pela madrugada de novo, mas sózinho e olhara a foz que se espraiava confundindo-se com o céu.
Qualquer abrigo lhe serviria para se proteger do frio ou da chuva, porque qualquer desses elementos estarão perto da sua natureza.
Construiu um barco e uns remos, experimentou a navegação movida pelos braços, que sabia, lhe serviriam para alimentar a alma e o sopro imaginário do vento das grandes fantasias.
Agora quando anoitece, do seu abrigo, ouve as ondas ao longe e sente que de lá, de onde o infinito sangra de crepúsculo, virá um dia alguém que o levará consigo, na maré das barcas que perseguem a estrela de alva, para lá do eterno mundo dos homens eternamente surpreendidos.

segunda-feira, 23 de julho de 2007

CORO DAS CARPIDEIRAS


Resolvi romper um pouco, a partir daqui, com o cromatismo maniqueísta do preto e branco, pela importância que resolvi dar ao trabalho desenvolvido pela Oficinadaterra, galeria de arte, ligada ao artesanato que tanto anima a nossa terra.

Não gosto da cor quando ela não é natural, daí ter-me retraído em relação à sua utilização.

Claro que podem protestar à vontade, mas visitem a Oficina da terra que vale a pena.






E quando a morte se ergue na cruz
Seja ela de luz ou de dor
Levantam-se os odores e os amores
Levados pelo pesar da perda
Silenciam-se os rancores
Fica quase sempre o perdão
Abraçam-se os de condão
Quedam-se os sem tostão

Destacam-se as carpideiras
Que em desnudíssimo coro
Se revezam na pregação
De alma sofredora de mulher
Que sabe durar para sempre
Carpindo perante o pendente
Que estranho, distraído e crente
Sobra na sombra da cruz


http://www.oficinadaterra.com/

domingo, 22 de julho de 2007


MOTE
Fui do Algarve a Bragança
Corri travessas e ruas
Sem um centavo na algibeira
Sempre no comboio das duas


Fui de Lagos a Portimão
em Sines fiz uma paragem
enchi-me de coragem
estive em Faro e Olhão
em Tavira comprei um pão
em Beja dancei uma dança
em Évora ganhei esperança
de não errar o caminho
andei sempre sozinho
fui do Algarve a Bragança




Cheguei inda a casa nesse verão
Passando pela Vidigueira
Batia ainda o sol na eira
Fazia um calor do cabrão
Esfomeado que nem um ladrão
Logo fiquei com a esperança
De não haver mais errança
Ali falei com ti`Chalrrito
Para que a Junta do Alvito
Prantasse uma placa com cagança

quinta-feira, 19 de julho de 2007

SINAIS DO TEMPO


João de Deus, também passou por cá, e por isso merece ser recordado pela importância pedagógica que podemos retirar do valor que deu às palavras.


Esboçou o princípio da destruição do mito em que as «imagens» poderiam exercer sobre as palavras, um poder quase absoluto, numa altura em que a instrução básica era iniciada à entrada para 1ª República.



Por isso criou a Cartilha Maternal.

http://purl.pt/145/3/



Pouca importância continua a ser dada à descoberta das palavras, sobretudo por parte dos políticos e de alguns mestres, que insistem em ignorar que estas são para se dizer, para se ouvir, para se entender, para se explicar.



Coube a Joaquim Teixeira de Castro, Visconde de Arcozello, fundar a primeira escola onde o novo sistema proposto por João de Deus foi aplicado.



Aqui vos deixo o pedagogo e poeta, João de Deus, bem como um apontamento de solidariedade do seu amigo, Antero de Quental quando este propunha um poeta em cada um dos cidadãos... «Tu que dormes, espírito sereno,/Acorda!É tempo!O sol é já alto e pleno»...

terça-feira, 17 de julho de 2007

O TOQUE FAZ MILAGRES


Como qualquer lugar, este é neutro, sublime ou insignificante
Todos se foram e ficaram as marcas do tempo que permanece ou se alonga até ao infinito da lembrança
Por isso é importante tocar nos sítios por onde se passa
O milagre pode operar-se, naquele instante
O vinho pode ser o sangue
A revolução.

segunda-feira, 16 de julho de 2007

FLOR BELA


Abre-se a folha branca e semeiam-se palavras trazidas pela emoção mais recôndita, aquela emoção, onde na esteira da nascente , se procura infinitamente a foz.

Força-se o sentimento a construir alegria, tristeza ou desalento, pois assim restará esperança em cada confronto.

Sintetiza-se o que se quer dizer, para que a folha não se rasgue, antes que possa servir as palavras que são trazidas pela consciência.

Tenta descobrir-se o novelo de fio que se estendeu até à descoberta da frustração incólume e que por isso mesmo mantém a angustia.

Rodopia-se e acorda-se, voltado sempre para o lado branco da folha, onde se sonhara ter escrito uma história de amor.

sábado, 14 de julho de 2007

ESTAREI PERTO DE SER DEUS?


Por ser esperançoso da minha busca
Porque fiquei longe de ti
Sou agora quem sabe, quem és para mim
Porque fiquei longe de ti?
Por ser esperançoso esperarei por ti
Porque sei que sempre o que houver
Por ser esperançoso estarei aqui por ti?

Serei agora eternamente quem esqueci?
Por saber quem és para mim,
Não podendo já esperar mais por ti?

Amo deveras em deus?
Foste tu a causa da minha solidão?
És a representação do meu ser de fé
Da minha alma de solidão
Da minha tarefa diária de coração?
Mas se eu penso em ti…

Serei o que, quando quiseres mudar-me a vida
Direi que não a quero para mais nada
Sem que me sirva sem ti?

domingo, 8 de julho de 2007

A FÉ DOS HOMENS


O João corria com uma ânsia de medo, misturada com pressa de cumprir o horário da entrega do livro na encadernação para que fossem douradas as capas.
Antes, aprendera a cozê-los com uma agulha grossa e um fio que mostrava estar ali para agarrar as folhas para sempre.
O seu mestre fazia o trabalho de recuperação de livros velhos, sentado numa cadeira de rodas, pela imobilidade a que estava sujeito. Era um trabalho artesanal feito com mestria e pouca desenvoltura, como as coisas com mestria pedem que se façam.
Por isso o João aprendera devagar, mesmo nas horas de pausa do mestre Aniceto, que dava as indicações enquanto almoçava aquelas sardinhas de escabeche com muito azeite e cebola.
Quantas vezes o João se questionava, quanto à frequência com que o mestre Aniceto comia sardinhas com muito azeite…
Passada a hora de almoço do mestre, o João tinha tempo então de ir num ápice, a correr a sua casa no bairro mais limítrofe da cidade, comer um prato de massa com feijão, que o esperava já colocado na mesa acompanhado da advertência materna, da necessidade de comer depressa, pois o mestre não perderia pela demora em repreendê-lo caso chegasse atrasado ao ofício…
Os catorze anos do João, permitiam-lhe digerir rapidamente a proteica refeição, desde a entrada na cidade até ao espaço intra-muros, da habitação do mestre Aniceto.
Era na velha mouraria que se situava a habitação do artesão, homem de quarenta e tal anos, que vivendo com sua mãe e irmã solteira, de idade idêntica à sua, necessitava de um aprendiz que fosse elemento reforçador de vontades e impossibilidades de toda aquela família.
O João percebia a dificuldade do mestre em mover-se para fora daquela casa de primeiro andar pela deficiência motora óbvia, que talvez por isso, o transformava por vezes numa pessoa estranha, inexpressiva por vezes e por outras com expressão a mais.
A irmã ligeiramente mais nova, muito alta e ligeiramente curvada na parte superior do corpo, debitava ondas de calor que ao João sabiam a uma comida estranha, pela proximidade a que a mulher por vezes se colocava em relação a ele.
A mãe de ambos, mulher igualmente alta, de compleição física forte, toda vestida de negro, berrava constantemente, e mandava o João à rua comprar as «mercearias» diariamente, interrompendo a labuta da cozedura dos livros.
O mestre Aniceto protestava energicamente com a mãe pelo facto, uma vez que o trabalho do João era necessário para a cozedura dos livros. Iniciava-se uma vibrante discussão entre mãe e filho, enquanto era visível a fuga da filha para uma das dependências da habitação.
O João aguardava nervosa e quotidianamente, o desfecho das discussões, de decibéis elevadíssimos que normalmente acabava com a conclusão que parecia ser de aceitação unânime:
-Então o gaiato não é nosso criado?? Posso mandá-lo onde eu quiser e não tens nada com isso!!Esqueceste quem carrega com essa carga de ossos todos os dias para a cama??
Vá!...vai lá à mercearia e traz ¼ de feijão encarnado, 250gr de manteiga e meio litro de azeite!! E não te demores que tens que trabalhar ouviste??
O João trazia as comedorias encomendadas, que ficavam registadas no livro comprido dos «fiados» da mercearia, sentava-se de novo na sua mesa improvisada de trabalho, pegava na agulha e desatava a coser os livros com o rigor e concentração que o mestre Aniceto lhe recomendava.
Trabalhava e pensava.
Pensava nas horas a que iria poder sair dali, pois havia retomado a Escola tal como fora a promessa do pai, que dissera que, logo que fizesse os 14 anos, iria estudar à noite e isso alegrava-o.
Tinha sido um choque a sua retirada da escola aos 12 anos.
Todos os dias as aulas começariam às 7 horas da noite e trabalhar depressa era o seu objectivo.
Pensava ainda, que havia que fazer face aos encargos da casa, ordenara o pai, perante o olhar lacrimejante e silencioso da mãe, que gostaria de ver os filhos prosseguir os estudos regulares.
Todos não seriam demais para pôr a vida da família, de mãe doméstica, pai operário e três filhos, em equilíbrio embora precário.
Eram os 5$00 diários, que multiplicados pelos 6 dias da semana, levavam o pai do rapaz semanalmente, à mouraria, para agradecer o grande favor ao mestre Aniceto de manter o seu filho naquele digno ofício e receber a semanada pelo trabalho do João.

-João !...Vais levar estes livros para dourar as capas ao Sr. José Miguel e não te demores porque são quase 7 horas e ele deve estar a fechar…e depois podes ir para casa…
O Sr. José Miguel tinha a arte de dourar os livros depois de encadernados. Vivia na extremidade norte da cidade, que distava da mouraria mais de meia hora de caminho. O João teria que correr e muito, para chegar a casa depois de deixar os livros a dourar. Não estaria a jantar antes das 8 horas da noite, perderia uma ou duas aulas e muitas vezes não jantava porque, não queria deixar de estudar assim…

Em silêncio… porque se vivia assim no tempo em que era aprendiz de encadernador, o João passava todos os dias pela Igreja que ficava à esquerda do seu percurso para a Escola.
Por vezes pensava entrar e sem abrandar o passo, sorria quando se imaginava a entrar e a pedir algo para si…
Mas o João tinha muita dificuldade em dar nome às emoções que sentia, porque achava ele, que os deuses se zangam muito uns com os outros e que muitos adultos lhes eram devotos, mesmo em silêncio…

segunda-feira, 2 de julho de 2007

GÉNESE DE CÁ


A terra cá é quase sempre árida.
Mas nem sempre da cor dos homens de angustia disfarçada, por não terem modos de afastar a ideia do presente dessa aridez e nada mais que o presente…
A terra percorre sazonalmente a solidão dos homens desta terra, que não tendo a mesma cor dessa aridez, disfarçam a angustia e tentam palavrear coisas ao acaso, em surdina, com embaraço, desde que a terra os não oiça e as pessoas também não…
Os homens da minha terra dizem tão pouco e acreditam tanto, que por isso mesmo não têm a cor da aridez da nossa terra, nem esperam que sejam realizados os sonhos que pensam terem sido palavras proferidas por si.
Não!...Não dissemos nada disso!...
Acreditar, acreditam…mas nunca disseram que queriam ter uma terra diferente.
Sabe-se lá o que daí adviria, por gostarem tanto daquilo em que acreditam…
Não!!...Não sentimos nada…mas lá que acreditamos, acreditamos
E os homens da minha terra, repetem esse presente, por se sentirem traídos por sentimentos que venham alterar a rotina do pensamento.