quinta-feira, 25 de dezembro de 2008

OH CIDADE DO CARAÇAS....


A minha cidade estava hoje nostálgica por ser dia de natal.

As pessoas passeavam nela de andar vagaroso e labiríntico entre ruas de calçada gasta e irregular como é de modo medieval a preservar.

Familiares distantes que por cá permaneceram estes dias, aceitam que os leve em digressão pela estranha cidade recheada de história, grande parte dela por contar.

Puxo dos galões e disserto sobre a cerca velha, delimito os espaços romanos e os medievais, enquanto corre a brisa fresca do fim de tarde, agradável e cúmplice.

Ali descrevo o espaço onde o duque D. Fernando de Guimarães, pernoitou esperando vir a assistir ao casamento de uma das filhas do rei D. João II, que em Évora pretendia casar. Afinal o duque era surpreendido com um cadafalso erguido na praça grande ( a do Giraldo) por ter sido infiel ao rei.

Naquela praça estão os sinais dos Estaus, dos paços do concelho, da cadeia e dos lugares de mercadores judeus, bem como o caminho que leva ao convento de S. Domingos onde os restos do duque repousariam depois do espectáculo da sua morte por traição.

Ergo os braços e aponto lugares de tanta história por contar, que permanece recôndita, que procurada, facilmente falará de actos de resistência de um Manoelinho, mas que por ser tolo nunca foi levado a sério. Afinal tratou-se de resistir com êxito ao domínio Filipino, mas tão pouco os tolos falavam de política naquele tempo. Eis assim um exemplo da misteriosa história da minha cidade por contar.

Nesta cidade nasci e nela permaneço quase sempre, entre gente com aspecto sereno, que prefere esperar o dia em que todos acreditarão na justiça e no bom senso, mesmo que um dia tenham que conspirar contra qualquer rei, assumindo-se como tolos.

O Natal na minha terra é silencioso como todos os acontecimentos que sempre se impuseram entre cristãos, judeus e mouros, que por cá sempre viveram.

Entre eles há sempre um Manoelinho e ninguém sabe onde ele está, mas sabe-se que mesmo tolo ele tocará a rebate para a derradeira conspiração anónima de todos os eborenses.

sexta-feira, 19 de dezembro de 2008

A DOR QUE DEVERAS SENTE


Se deus existir, que existe

Tendo que fazer o que persiste

Sendo de querer que é gravoso

O que tem em mãos por pesaroso

Que faça uma pausa e indague

Mesmo que para isso eu lhe pague

Com oração ou indulgência

Minha tristeza, minha urgência

Pois saiba deus, que existe

Não só vós, mas o que persiste

Em mim, de tão grave e comovente

A dor minha por mim, que não contente

É ela jovem a dor e inocente

Que por ser assim ardentemente

Ficará para sempre ou será luz,

Que por volátil ou perene nada traduz?


segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

OH CLEMENTE!...


Não sei se será eterno o meu sorriso,

quando me sinto objecto daquela bondade,

que me deixa sério e muito triste,

distante,

por saber que é distância,

e assim é saudade?...

Saudade de saber, porque não se sabe,

se existiu o eterno desejo de conhecer,

com esperança,

até mesmo a acreditar,

quase prostrado e até a orar,

até morrer.

Em deus?...

domingo, 7 de dezembro de 2008

O POETA DISSE


Para a mentira ser segura,
E atingir profundidade
Tem que trazer à mistura
Qualquer coisa de verdade.

A. Aleixo

Neste espaço, procuro falar das coisas que me interessam e penso interessarem a outros, tendo por opção, talvez pelo respeito que as instituições me merecem, não entrar na análise política pura e dura.

Ou o faço em forma de desabafo poético ou mais ou menos prosaico, alargando o meu instinto pouco gregário (talvez por isso) e consequentemente libertário, quando se trata de escrever.

Desta vez o apelo da política é um pouco mais forte, mas mesmo assim, introduzo António Aleixo e em forma de poesia, (a que não chamarei popular) deixo o meu veemente protesto em relação àquilo que tem sido a discussão entre professores, corpo ministerial da educação e corpos sindicais, numa fase em que todos disputam interesses específicos, supostamente convergentes, para o interesse da educação em Portugal .

Concluo assim que, depois de ter assistido aos distintos diálogos sobre estas questões, envolvendo todos os protagonistas, resta-me este desabafo:


É absurdo que se minta em política.

É desonesto que quando se mente em política, se ignore a verdade.

É paradoxal que se use intencionalmente a mentira , para atingir a verdade.

É de enorme hipocrisia ser-se político em Portugal.

É de enorme hipocrisia ser-se sindicalista em Portugal.

É de enorme hipocrisia ser-se professor em Portugal.


sábado, 29 de novembro de 2008

CAMPINHO E CAMINHOS DO ALENTEJO


Quantas vezes as palavras de hoje nos servem o engenho, quando o engenho ontem obrigou à construção das palavras…

O Ti Chico Guerra natural da aldeia do Campinho, observa hoje o Alqueva a seus pés. Foi a partir daí que começou a registar as suas memórias, tal como as sentiu. Tinha 80 anos no ano de 2000 tal como diz:


«Estemos No ano 2000

E eu já tenho 80 anos de edade

E já conheço o Campinho

Desdo tempo da Mucidade»

«...outros para em cargados da picuaria para Nigócios de compra evenda, com sultando com us mo ura is, outras para chefis da cumição, tinham de resolver toudos zus publemas da comprativa tinham de Reprezentar toudas zascontas da conprativa, dos pagamentos dus trabalhado ris tinham muinta Responsablidade, os zagrarios eram Muintos, Não avia Rispeito, uns criam as coisas duma Maneira ioutras criam doutra, era priciso aver Muinta paciença para sufrer tanta ideia, o jenaral vaco gonçalvis decretou a lei da reforma agrária Foi Muinto Mali orientada, só cirviu para prantar em ódio urrico com opóbri, sencerem culpados nem uns nem outros, oculpado Foi o jeneral vascu Gonçalves, deu orde os trabalhadoris de ocuparem essas grandes propriedades aus seus donos, para furmarem conprativas, Foi um erro Muinto grandi qui ovi em Portugal, em 1979, começaram os senhorios a tomarem conta das suas propriadadis, dos seus Rabanhos de gado e das suas alfaias ide tudo doqui pertencia agricultura, de tudo do que os trabalhadoris tinham ocupado do quistava drento das propriadades, iFizeram um em ventario de tudo quanto avia drento das propriadades paros agrarios irem pagando os senhorios, Mas os agrarios Nuca eram capasis de pagar eça divda eantão os sinhorios tumaram conta de tudo do quiera delis ios agrários Não criam em tregar tudo do quiera dos senhorios, abeim, iantãu ia GNR Falar com os agrarios qui tinham de entregar tudo do quiera dos senhorios, os agrários so ficaram com oquitinham amentado ios agrários dividiram ecis lucrus por toudos, ias conprativas a cabaram, avia grandis erdadis que Foram dispropiadas purque Não tinham erdeiros lijitimos, porque os donus Não tinham Filhos...» (*)

(*) Agradecimentos ao Ti Chico Guerra e ao amigo Luis Fonseca, Presidente da Junta de Freguesia do Campinho


quinta-feira, 20 de novembro de 2008

O PODER DAS PALAVRAS

Não se entende a penumbra em que se vive, por serem de sol as tardes que tardam sempre: Porque aqui e ali, surgem mensageiros dos dias de outras cores, por serem ornamentados para esse efeito.

Não porque saibam que tão pouco os dias existem, mas sim porque se encontram no limbo da esperança dos outros.

Envoltos em panos de ornamento sagrado falam e falam. Surgem para que se aceitem fardados de poder, porque todos aceitam o poder e sobretudo se o poder surgir envolto

em panos de ornamento sagrado.

segunda-feira, 17 de novembro de 2008

RESISTIR


Como se acreditar bastasse e não se existisse

Ou a verdade fosse verdade e não mentisse

Fossem as crianças herdeiras de consequências

Dos que educam, servos de terríveis evidências


O perfeito entendimento e a perfeita razão

Na substância de cada um, contra a coerção

Faz da criatura servil e nascida obediente

A síntese da vida heróica, tornada consciente

quinta-feira, 6 de novembro de 2008

«I HAD A DREAM»


O silêncio adensa-se com o aproximar da noite.

Inicia-se o processo de adormecimento ou de despertar para a revisão das ocorrências do dia, que durante o dia não foram ocorrências que se pudessem pensar.

A progressiva densidade do silêncio que só se inicia à noite, tolhe-nos de escuridão e submete-nos pela incapacidade de sermos lúcidos no acto de olhar ao que verdadeiramente fomos ou somos.

Porque o olhar é estranhamente omisso quanto à percepção dos reais acontecimentos, por subverter o sentido, que não a forma das coisas, das coisas invisíveis, essas sim, as verdadeiras coisas que nos abrangem, é que a noite é magnânime e simultaneamente assustadora.

Ela revela-nos finalmente.

Transporta-nos para o rigor da independência, do acto de contrição, de exaltação ou regozijo pelos feitos físicos amestrados de que fomos os principais protagonistas, de que fomos servil e inexoravelmente cobaias ou heróis.

Resta-nos o encantador lado místico da noite, onde o escuro é inspirador e terno.

«Yes, We Can...»

quinta-feira, 30 de outubro de 2008

É TÃO SIMPLES, PÁ....


Pior do que a crença que se insinua, é não ter crença nenhuma

É mitigar com palavras construídas, o desarranjo de almas sofridas

Castigar com intenções desabridas, orações sem deuses e coloridas

Ficar a lamentar o profano, quando se sente que o desejo é insano


…como se a alma que sente e faz, não fosse vida, instinto e paz…

quinta-feira, 23 de outubro de 2008

EXCELSO FRUTO


Linda a mulher,

na incerteza da sua beleza

Envolta em mantos

de diáfana claridade

Um dia transforma-se,

dá à luz o desejo dos dias

de intensa claridade.

Sendo eterna na inocência,

acredita na candura

dos seus gestos,

Vai tocando as vidas

que medita, na dor,

na ternura e na desdita

Porque é forte

Abençoada

Bendita

sábado, 18 de outubro de 2008

UM JORNAL À SOMBRA


O jornal da minha terra é uma delícia.
O jornal da minha terra é um jornal esforçado e persiste nesse esforço, sobretudo quando não tem notícias que mereçam relevo.
Assino-o há muitos anos, porque existe também em mim aquele conformismo típico das pessoas que se adornam de simpatia pelas coisas da terra, mesmo que sintam necessidade de comentar com algum desamor, a inoperância das coisas e a ausência de ideias.
A minha terra tem 50 000 habitantes, poucos como se vê, sobretudo para uma cidade conotada com a universalidade da cultura, mas onde o espírito gregário tem muito que se diga…. Propõe-se na minha terra, inconscientemente até, a normalidade dos comportamentos sem que tão pouco se descortine, alguma intenção menos ética ou mais moral.
O jornal da minha terra existe com esse fim também. Existe e subsiste, procurando com a ternura que o caracteriza, a substância, que consiste numa aparente resistência a todas as tendências que muito deliciosamente, se insinuem
A substância do jornal da minha terra, evidencia-se na folha da necrologia, nos anúncios domésticos, no futebol regional, em muita publicidade e num ou noutro destaque
internacional, que pode vir de Moscovo ou do Bangladesh. Todavia, mesmo por cima, ou ao lado, poderá surgir o queixume de um cidadão mais atento, que chama a atenção para as pedras da calçada arrancadas na rua da Misericórdia, ou ao ruído que os jovens universitários eventualmente provoquem depois da meia-noite.
Ali surge por inércia em relação à mudança dos tempos e forte dinâmica quanto à idiossincrasia de um povo que assim o aceita, tudo o que um jornal não deve ser, pelo que representa de inutilidade, num espaço de cultura como é a minha cidade.

quinta-feira, 9 de outubro de 2008

ISABELINHA?..NÃO SEI QUEM É...


E o menino sentava-se no poial da esquina, que enviesava as ruas na sua direcção.
Esperava que os outros meninos chegassem junto de si, antes que passasse a Isabelinha da trança, vinda de uma dessas ruas.
O menino caprichava sempre que saía da escola, de modo a ser o primeiro a ocupar o lugar dos seus sonhos, pois sabia que a menina passava a caminho da última compra da tarde. Seria um ramo de salsa ou mesmo de hortelã do lugar de hortaliças, ou mesmo meia garrafa de azeite da mercearia do Sr. Cesário.
O menino acreditava que o poial que estrategicamente se posicionava na esquina das ruas que a Isabelinha percorreria, o ilibariam de qualquer intenção que não fosse esperar pelos amigos de brincadeira daqueles fins de tarde de início de verão. E era sempre de soslaio que olhava à sua esquerda e à sua direita, num olhar rápido e quase sempre acompanhado de um coçar de orelhas. Fazia-o sentado, porque afinal seria sentado que se deveria esperar por alguém, mesmo que dos outros meninos se tratasse.
E ali se interrogava algumas vezes sobre o esquisito que seria, alguém observá-lo naqueles gestos estranhos, tanto mais que a menina, sendo loira e bonitinha, na sua candura , era o enlevo de toda a vizinhança. Que diriam se soubessem que gostava muito da Isabelinha?
Era um alívio quando os amigos chegavam, pulando quase sempre atrás da bola que os antecedia, ate àquele lugar de encontros e de eternos desencontros. Puxavam por si e arrastavam-no para o rossio, mais parecendo cúmplices da Isabelinha e de si próprio, tal a ironia das coisas pensadas e nunca ditas.
Entre pontapés na bola e muito entusiasmo entre balizas, o menino, deitava um olhar distante, e agora directo para o espaço vazio, por onde iria passar a menina da trança. Sorria por dentro e interpretava o seu segredo, que achava doloroso de reter, mas fascinante de viver, por si e por mais ninguém, pois só ele sabia porque se sentava naquelas tardes de Maio, no poial da esquina das ruas da Isabelinha.

terça-feira, 7 de outubro de 2008

À BOLINA


Estava uma tarde para poemar
Sentir as coisas no ar
Deixar de ser ao acaso,
Existir por não se saber
Ser mesmo, algo para amar,
E querer adormecer, por querer,
Assim como, ao som do mar

E pelas ondas do mar que é meu,
Navego à bolina nas emoções
Por sonhos de sons que oiço,
Que acredito serem de um deus
Que tece preces ao vento, no breu,
Que me empurra e me trespassa
Fazendo-me infinitamente seu


Neste torpe acordar, assim,
Entre o norte e sul me debato,
A bolina sem leme me tragou,
Sou um homem afinal, de papel,
Tu continuas no limbo de jasmim
Onde naveguei em mim, e afinal,
Afinal existo, afinal sou assim

domingo, 5 de outubro de 2008

O PROGRESSO

Reservo este espaço a quem o queira utilizar.
Se ninguém conseguir escrever nada nele, é porque algo de estranho se passa com as novas tecnologias.












sexta-feira, 26 de setembro de 2008

O PRÍNCIPE MENDIGO


Era uma vez um príncipe…
Vivia num reino que sabia que não seria seu, por isso pensava que um dia seria feliz junto de uma camponesa, entre campos floridos, numa casa de madeira a cheirar a coisas da terra.
Um dia foi à cidade e como era belo e gentil, deixou-se cortejar por uma plebeia .
Assim, o belo príncipe deixou que a plebeia o acariciasse e porque era gentil como são todos os príncipes, casou com ela.
Tiveram filhos e o príncipe ficou esquecido no berço da nobreza, por ter casado com uma mulher da populaça.
Ficou só, com a mulher que um dia o acariciara porque era príncipe e belo, mas que nunca o reconheceria como gentil.
O reino definhou, o príncipe fugiu para parte incerta e ainda hoje, escondido algures, espera que nenhuma plebeia o encontre mais, por sentir que não quereria ser acariciado por uma mulher que não acredita que existem príncipes gentis.

quarta-feira, 17 de setembro de 2008

SÍMBOLOS


O Mouro não se esquiva a lamber a primeira pedra que lhe apareça pela frente.
Ei-lo esguio, elegante e sabedor das manhas da sua amiga Lena, que matreiramente o caçou nesta sua necessidade básica.
Não seria ali que ele deveria beber a sua água, mesmo que os 40 graus à sombra obriguem a pouca reflexão. Todavia, aquele lago que já teve um metro e meio de altura, foi todo partido para que agora, apenas com cinquenta centímetros, ele possa transgredir as regras da Quinta à vontade.
É amante da Seara, cadela de poucas falas e muito tino e por isso mesmo o adopto como símbolo universal da indiferença perante os bebedouros públicos.

terça-feira, 9 de setembro de 2008

SER POETA ÚNICO E INTEMPORAL


Comparar poetas, enfim, que extravagâncias
Quando tantas palavras escritas e que fantasiam
Nos fazem crer em todas, até nas que extasiam
Em sublimes recantos de estranhas fragrâncias

Pessoas, que nos fazem assim acreditar,
Que ditam palavras onde se sente coração
Que embriagam e levam até à emoção
Sem nomes, exultantes no acto de meditar

Assim, num apelo reverso da alma contida
O poeta desperta na primeira palavra o clamor
Reflexo mesmo da tristeza, ou pungente amor
Chorando-a depois, por diante de si, e da sua vida

sábado, 9 de agosto de 2008

PELO QUE NÃO ACONTECEU


Os pés pisam o restolho que é seco
Insano por ser sobrante da seara
E pelo que não aconteceu.

Fica o pisar ruidoso
De quem caminha lentamente
Pisando este chão que tanto insiste
Em não ser de quem persiste,
Mesmo que escolha firmemente
O chão que pisa lentamente.

sexta-feira, 1 de agosto de 2008

SUBLIMAI


A propósito de leituras no Murcon.

Essa coisa do genérico órgão sexual masculino estar entre as pernas não passa duma argumentação falaciosa, na minha opinião. Até parece que não temos mais nada que fazer.
Comecemos por sublimar a vontade sexual e veremos que afinal, o criador pensou em tudo: Lede, escrevei, orai, pintai ou mesmo ignorai o sexo oposto ou até mesmo o imposto, tudo com muita, muita força e vereis que afinal o vosso órgão sexual está em parte incerta.
Depois…quando o crer na razão se desvanecer e a vossa razão for, sendo vós, apalpai-vos e procurai usar o que mais vos aprouver, como forma de acreditardes no prazer.
Para os mais distraídos e como percebestes desta minha síntese, começai sempre por vós.

sexta-feira, 18 de julho de 2008

SERÁ MALANDRIM?


Dou comigo a pensar que neste momento não tenho nada em que pensar, ou seja, até tinha, mas acho que seria um desperdício. Eu explico:
Coloco-me perante a possibilidade de pensar ou fazer algo que ajude a fazê-lo, mas a necessidade de ser útil enquanto penso, desvanece-se de imediato. Porquê não sei, só sei que se desvanece como se expira. Expira-se com prazer por se sentir que o ar mau nos deixa ficar com o ar renovado que entretanto inspirámos.
E tem sido assim em momentos de maior tédio. Inspiro e expiro, inspiro e expiro…nada de mais agradável me soa no momento. Quanto ao ser útil no acto de pensar, sempre me senti útil e disponível, como tal, pensar para ser útil é uma desnecessidade.
Assim, respirar bem, parece-me ser a coisa mais agradável (reparem que não disse útil) neste momento, sobretudo quando vejo tanta gente a respirar mal e a precisar tanto de ajuda.
A essas pessoas digo: Respirem bem e aprenderão a ser úteis.

domingo, 8 de junho de 2008

MESMO ASSIM CRER...


A flor que em si forte se insinua
Cheia assim , de ventre e nudez
Espera que de si, essencialmente nua
Se tome a razão, porque assim se fez

Tomara-se até completa de ironia
Inocentemente, assim se desejara,
Por sentir que alguém a quereria
Linda, universal, exclusiva e rara

A vida trouxera-lhe azedume, algum ardor
Canções de acreditar, que não de sonho
Desvaneceu-se em si a ideia do amor

Mas pensa: Existe em mim ainda, o sofrer,
Ironias do ventre, que transporta o sonho,
De um filho por fazer, mesmo de dor, por crer

quarta-feira, 28 de maio de 2008

O MAIO DA NOSSA PRAÇA


Que a nossa Praça se transforme.

Faça-se uma fogueira no centro dela e cante-se uma canção, que possa ser o hino da naturalidade das coisas, em que vivem pessoas.

E não das coisas em que transformam as pessoas.

segunda-feira, 26 de maio de 2008

JÁ NÃO HÁ CADAFALSOS


Nos Estaus o rei pernoitara, depois de um dia em Cortes com os homens bons da cidade.
Muito queixume ouvira D. João II, e ainda teria que mandar matar um Duque.

Já na Praça Grande um majestoso engenho se erguia, sobre um palco que seria bem visível desde a rua Ancha até à dos Mercadores.

Panos pretos envolviam toda aquela arquitectura efémera, que haveria de ficar para a história, como a que servira de cenário aos que conspiraram contra o rei.

Viera o Duque do norte, acreditando que seria convidado para o casamento da filha de D. João II. Esperava-o a morte, não com baraço, mas sim à moda francesa.

Mouros e judeus foram os primeiros a posicionar-se na Praça. O Rei tardaria.

Finalmente, enorme algazarra vinha agora da Alcárcova e prostrado o Duque, trazia de lá, no rosto, o sinal do arrependimento, que apenas a confissão do padre ouvira.

O Rei e o seu séquito ocupam os seus lugares na sacada dos Paços do Concelho, enquanto o algoz aguarda de capuz preto já enfiado na cabeça, a sua tarefa que consistiria em posicionar a nobre cabeça do Duque, no espaço onde o enorme cutelo cairia em estreia.

A multidão que circundava a Praça Grande silenciou-se quando o Duque iniciou a subida dos degraus do enorme palco, que ao centro exibia um robusto cadafalso.

Diz-se que o Duque rejeitou a última oração e que apenas olhara fixamente o Rei durante largos segundos, antes de aceder sem oposição às orientações do algoz.
Debruçou-se então sem esforço, já de joelhos, sobre o cepo de madeira contornado à medida do seu pescoço e aguardou.

O Rei que levantara a mão lentamente, mais depressa a fez cair em sinal de ordem ao algoz, para que este desengatasse a lâmina reluzente. Esta deslizou com um silvo que parece ter deixado eco em toda a praça, enquanto a cabeça do Duque se separava do corpo, que por momentos não permaneceu inerte.

O som abafado, escapatório, do povo e de alguns burgueses, que quase coincidiu com o golpe, mais pareceu de dor, atenuada com o rápido recolhimento do Rei para o interior dos Paços do Concelho. Sucederam-se os murmúrios…

O cortejo fúnebre até ao Convento de S. Domingos, muito acompanhado, pressagiou o esquecimento.
O Rei, momentos antes estivera presente, mas estivera nu.

segunda-feira, 19 de maio de 2008

AINDA ASSIM....


No limiar da aventura das coisas, desventurado,
Sem nexo das formas, que se afirmam sempre assim,
Caminha para as coisas, que vive mal amado
Desconhecendo o destino e dizendo sempre sim…

Não se sabe se são gestos insinuados ou de feição,
Os verdadeiros, ou de sentimentos a si unidos,
Os contrários aos movimentos, podres de intenção
Os que fazem acreditar nos mitos não destruídos

Alentejo de medo, de fé, ou adormecimento
Aprendidos por fluxos de hábitos e outros ventos
Tradições que reduziram o seu empenhamento
Pela força das temeridades, trazidos pelos tempos

sexta-feira, 2 de maio de 2008

SABEDORIA ANTECIPADA


Lembro-me do meu pai dizer que devia cumprimentar as pessoas todas.
Eu hoje vejo poucas pessoas a cumprimentarem-se na minha terra, mas se calhar é por se conhecerem mal.
O meu pai tinha uma admiração muito grande pelos Americanos e pelos Russos e recordo-me de engrandecer quer uns, quer outros e eu empolgava-me a ouvir aquilo.
Hoje ponho-me a pensar nisto e esboço um sorriso fugaz. Depressa me emendo pensando no que isso quereria dizer.
Mas como ele me dizia que eu e os meus irmãos devíamos falar às pessoas todas, com respeito e devoção até, como que deixando bem marcada a nossa diferença em relação às pessoas mais velhas que nós, e como tal mais sabedoras, eu achava que tudo era proporcional.
Eu estaria para as pessoas mais velhas, em desconhecimento daquilo que era o que elas sabiam do meu destino, como o meu pai estaria para os americanos e os russos, em conhecimento do que eles representariam de poder, força e grandeza para ele.
Isto levou-me um dia, sem que os meus 10 anos de existência me conferissem alguma habilidade política a perguntar ao meu pai se ele podia com a espada do D. Afonso Henriques. Confesso que não recordo a resposta que ele me deu, mas hoje sei que ele bastar-se-ia perfeitamente para uma espada daquelas.
Americanos e Russos no princípio dos anos 60 imagine-se…Não admira que ele quisesse que falássemos às pessoas todas lá do bairro, até com alguma devoção.

sexta-feira, 18 de abril de 2008

A INTERVENÇÃO NA CIDADE QUE É ÉVORA


Évora é uma cidade com rosto triste insinuando a espera da luz, quando o cinzento dos dias cinzentos lhe dá o sossego que parece ter nascido com ela.
Mas Évora tem também um rosto triste, quando o sol desponta do lado que é sempre esperado sem que isso seja novidade, sem vontade de se lhe aliar para fazer dos dias, dias diferentes.
Évora tem maioritáriamente homens que pretendem inocentemente ser diferentes dos outros homens.

E estes homens, tentam exercer a política que sentem ser ao serviço da cidade e das pessoas que a habitam.

Mas os homens de Évora, que querem ser políticos ao serviço da cidade em que nasceram ou adoptaram, esmorecem encostados a uma espécie de magia que sendo magia e como tal coisa esperançosa, é ao mesmo tempo coisa desastrosa, por Évora não ser uma cidade de políticos.
Évora é conservadora, não aceita a inovação sem que ela seja obra que justifique a mudança.
A destruição do que ela de facto é, será coisa sofrida se for para ser diferente de si.
A mudança tem que ser sofrida, porque ela é bela e indestrutível e como tal intocável a partir do coração dos seus cidadãos.
A obra que se diz ter que ser feita, tem que ser feita, porque o sofrimento já começou.
Que se faça a obra porque o sofrimento já começou.

domingo, 13 de abril de 2008

...E DE COMER!...


«Ao anoitecer, dá-se a ceia.. O abegão ou o sota, senão os dois, põem a mesa, vasam a olha da asada para os alguidares, separam a boia (quando a há) e conduzem a comida ao seu destino. Depois um deles sai à rua e grita:
- À Ceia!…
Grito forte, que se ouve distintamente.. Fraco que fosse, ouvir-se-ia também, atenta a impaciência com que os ganhões o aguardam. Mal pois o ouvem. todos entram no monte, todos se descobrem e todos se sentam à mesa nos lugares habituais.. Como de costume, o abegão preside, sentado à cabeceira.
Primeiro, migam-se as sopas sobre o caldo da olha. Tantas quantas possam ficar embebidas. Feito isso, o «governo» profere a invocação do: - «Com Jesus!» - e a ganharia passa a comer vagarosamente, com o silêncio e ordem que notei ao tratar do almoço.
Quando todos deixam de comer os legumes ou a couve, o abegão - se o dia é «de carne» -puxa a si a palangana do toucinho e parte a boia em tantas rações iguais quantos são os homens. E oferece-lha para que a comam em seguida, ou a guardem como entendam, para a comerem quando queiram.»

domingo, 6 de abril de 2008

OS PORCOS E OS MENINOS


Saímos de casa e tivemos que tornear todo o bairro até chegarmos ao primeiro montado onde o verde era já comovedor pela sua aliança com a água de nascente, cujo rasto seguíamos.
Aquele verde convidava-nos a andar entre troncos despidos, que mostravam a sua nudez castanha, sinal de fresquidão da sua madeira, de onde recentemente tinha sido extraída a cortiça.
Chapinhávamos enquanto andávamos na água encoberta parcialmente pelas ervas que compunham aquele montado, onde porcos pretos construíam a lama, na descoberta de bolotas e de raízes que fossavam até trincarem com voracidade, entre brigas decididas sempre pelos varrascos.
O tempo era húmido entre o arvoredo e possibilitava algum desnorte, quando a planície era a nossa referência.
O montado atraiçoara-nos e descalços, procurávamos uma saída dele, enquanto o dia esmorecia dando lugar à penumbra que envolvia uma espécie de trovoada.
Estávamos perdidos e uma estrada alcatroada, seria a forma de nos encaminharmos para casa com um saco de bolotas às costas. Talvez assim o nosso pai não nos batesse….
A trovoada estalou poucos segundos antes de uma saraivada nos começar a encharcar, quando já não conseguíamos distinguir as landes das doces, tal era a dificuldade em permanecermos atentos aos sobreiros ou às azinheiras, que quando o montado se tornava menos denso se confundiam e se misturavam alargando o espaço da nossa confusão.
Anoitecera. Mas adiante, em fuga dos últimos gigantes amovíveis de amplas copas e descanso da chuva impiedosa, surgia um espaço reluzente que nos dava a percepção de uma estrada das de alcatrão.
O medo dera lugar aos gritos e sorrisos de glória, sem que ainda tivéssemos percebido o caminho a percorrer estrada fora, com o peso da justificação da nossa ausência em casa, às costas.
Eu e o meu irmão do meio, colocámos entre nós o nosso companheiro de aventura, mas o forte dele era mesmo as brincadeiras de cowboys, que quantas vezes nos levavam a distâncias superiores às nossas idades , na procura dos índios apaches, quase sempre.
O Billy The Kid lá do bairro chorava desalmadamente, enquanto caminhávamos ensopados e apressados e isso foi razão para lhe aliviarmos o saco de bolotas, distribuindo a carga pelos nossos.
Tínhamos entrado então na estrada de Arraiolos bem perto do cruzamento da Valeira e restava-nos 10 kilómetros até chegarmos a Évora.
Passados 5 deles, a cidade surge ao longe pela insinuação da sua iluminação.
Os nossos pais estariam invariavelmente como estavam sempre que as nossas aventuras excediam os limites de ténues fronteiras que algumas vezes nos eram impostas ,mas nunca cumpridas e sabe-se lá porquê…
O pai enfurecido esperava-nos de cinto na mão, a mesa posta para o jantar, assumido só depois da autorização do dono da casa.. A mãe com a mão na boca, fazia apelos aos santos da sua devoção, aguardando na retaguarda de todos os acontecimentos de pacificação demorada de tudo que estaria para acontecer.
Tal como Egas Moniz disponibilizou os filhos para que o castigo acontecesse, eu e o meu irmão, tentámos expor os sacos de bolotas, sem que o tempo ou a fúria instituída permitisse explicações, pois o cinto começava a marcar-nos nas pernas semi envoltas nos calções agarrados aos suspensórios.
Não me lembro o que aconteceu às bolotas, nem me recordo se eram todas doces.
Recordo-me apenas desta história

sexta-feira, 4 de abril de 2008

E...o poema quase se repete


Sou o que subia a calçada e que subia quente

Hoje nela caminho, numa tarde amarela

Ainda oiço vozes, sem passado crente

Que reclamam uma vida, feito nada por ela

UNICIDADE OU UNIDADE


A minha cidade está a engalanar-se.

Parece-se com aqueles domingos de futebol em que o Lusitano jogava na primeira divisão.

Está cheia de gente gira e colorida. Vem gente de fora. Procura fixar-se cá e já descobriu os lugares de discussão das coisas da cidade e neles participa, engalanando-a melhor ainda.

Lembro-me nos meus 4 ou 5 anos, em que os domingos em que o Sporting ou o Benfica ou mesmo o Belenenses, vinham jogar a Évora com o Lusitano, as gentes ficavam diferentes.

As mulheres pegavam nos filhos pequenos e dirigiam-se para a mata do Jardim e daí, sobre a muralha, assistiam à passagem dos homens, que entre as 14:00h e as 15:00h, se dirigiam em grupos ao campo de futebol, que ficava na estrada das Alcáçovas.

O Jogo decorria e ouvia-se de quando em quando, um grande alvoroço, que sobrava no redor do campo de futebol, que fazia palpitar os corações, não importando tão pouco de quem tinha sido o golo.

Também hoje, se faz alvoroço e se agigantam gargantas em defesa, inocentemente como no tempo do Eusébio e do Matateu, do que se considera ser uma grande festa.

Procura-se algum protagonismo, mas sobretudo um grande entusiasmo por se viver em liberdade, numa terra que foi sempre humilde e ingénua nas suas manifestações.

Não importava quem ganhasse. O importante era saber-se que gente de fora vinha à nossa cidade. Que aqui procuravam comer o borrego e que traziam sorrisos, muitos sorrisos.

Nesses sorrisos todos tínhamos partilha, porque o retribuíamos sem saber porquê e ficávamos a pensar:

Como seria a vida em Lisboa…O perigo que representava passar o rio Tejo sobre a ponte de Vila Franca de Xira… Como estaria a tal tia rica que morava para os lados da Praça do Chile…

Agora não. Parece que está tudo aqui.

Tantas bandeiras verdes , ou azuis ou encarnadas…

Como se empolgava o Vital na baliza, ou o Mitó na defesa ou mesmo o Zé Pedro no ataque…

Mas sabíamos que estes eram afinal gente da terra. Pobres como nós. Seria um proeza ganhar a qualquer daquelas equipas.

E quantas vezes empatámos, estando tão perto da vitória…

Hoje empolga-se esta cultura.

As gentes que são da terra, procuram unir-se às gentes de fora.

Está difícil a unidade que muitos confundem com unicidade. E o povo desconfia.

Mas nota-se o esforço da cidade em querer engalanar-se.

Que vença a unidade, mesmo que empatemos.


sábado, 29 de março de 2008

MAS SENTE-SE A LIBERDADE NA CIDADE



Gente mais nova impõe-se naturalmente e gente que vai envelhecendo assiste pouco interessada à mudança das mentalidades.

Os adultos pronunciam-se sobre o facto ocorrido entre uma aluna e uma professora, chamando às coisas ocorridas, nomes que as coisas não deverão ter.

Uma jovem de 15 anos é inimputável para uns e imputável para outros, em versão jurídica, pelo facto de reivindicar para si o seu telemóvel, que apesar de utilizado inadvertidamente na sala de aula, não deixa de ser seu.
Fora-lhe retirado pela professora, que ignora conter aquele telemovel, um mundo que não é seu, mas sim o de uma jovem de 15 anos que vive ainda um pequeno mundo.

A professora tem 60 anos e é imputável no acto de retirar o telemóvel à aluna, que o usara inadvertidamente.

Sem que as questões relacionadas com o sistema social, económico, político e até educativo do país onde isto aconteceu, para aqui sejam chamadas, parece de elementar justiça, considerar chocante, a insistência de uma professora de 60 anos, numa sala de aula, querer com todas as suas forças e experiência de vida, retirar a uma jovem de 15 anos, o telemóvel, cantinho de emoções, tentações, esperanças, segredos e memórias recentes.
Cantinho esse tão útil (senão indispensável) para o seu relacionamento com os colegas, amigos, professores e pais.

Deveria então perceber-se a energia da aluna na defesa do seu espaço de segredos contidos no seu telemóvel. Ali, ela terá o que para si significará o seu mundo de fantasia e mistérios. Está ali princípio da sua vida e a tradução do que entende ser o seu percurso, mais ou menos definido, até onde mais ou menos tiver possibilidades de se dirigir.

Esta professora deveria questionar-se sobre o seu papel enquanto educadora e que tem 60 anos. Que fez uma figura ridícula ao confrontar-se daquela forma com uma aluna de 15 anos.

Esta professora não deveria continuar a sua acção educativa. Deveria desistir da sua actividade, porque a lição que deu não contribuiu de forma nenhuma para ajudar a aluna a alterar procedimentos menos correctos na sala de aula, contribuindo pelo contrário, para confundir uma jovem que até aqui está no seu percurso natural de descoberta de todas as verdades

Que se calem os sofistas dos dias de hoje…

sexta-feira, 21 de março de 2008

FRUTO DO SEQUEIRO


Sou fruto do tempo da pedra da calçada
Onde se fez monda e se inventou emoção
Onde rostos escondidos de tez cansada
Subiam rampas até onde ia o coração

Sou filho do vento, que à abrigada era suão
Onde a água da bilha fresca, era o alimento
Onde os ventres escondiam o eterno perdão
De mães eternas, ternas e de grande talento

Sou o que sobe a calçada e que se sobe quente
Onde um dia caminharei, numa tarde amarela
Onde se ouvirão vozes sem passado crente
Exclamar aquela vida, feita a morte dela

quinta-feira, 20 de março de 2008

A CIDADE DESFAZ-SE


Nunca houve uma tradição de ocupação do espaço intra-urbano, por parte de quem vinha para a cidade de Évora em tempos de maior êxodo.
As pessoas provenientes do campo, deixavam os montes e as aldeias e dirigiam-se para as zonas limítrofes da cidade.
Aí se edificavam bairros clandestinos, que passaram a semi-clandestinos, até que foram legalizados, constituindo-se uma cultura extra-urbana muito característica, com hábitos enraizados ligados à vida do campo.
A cidade intra-muros no seu desgaste natural, ia-se dedicando a festejos mais ou menos periódicos, chamando a si os habitantes dos bairros que a cercavam. Eram as feiras, as procissões os sermões e poucas canções.
Nas ruas desta cidade foi vivendo gente que forçava a sua existência, escondendo de geração em geração a ausência de sanitários nas suas habitações, onde as cozinhas eram escuras e os quartos obscuros, onde o sol era ausente e o mobiliário exíguo e suficiente apenas para que se pudesse exibir a toalha de mesa e alguma bandeja de prata sem serventia.
Portas dentro parecia ninguém existir.
Os senhorios vinham de fora. Faziam grande alarde e eram conhecidos como parte integrante daquelas casas de caliça disfarçada com cal, quantas vezes…e que se negavam a recuperar.
E que interessante era conhecer a história dos senhorios das casas velhas das ruas velhas de Évora…
Também as prostitutas eram inquilinas e asseadas nos seus mesteres, não deixando ver por fora o que se passava por dentro.

Excepção feita a casas que deixavam transparecer a sua diferença. Essas pertenciam a uma freguesia com o nome de S. Pedro, o padroeiro da cidade e talvez por isso nunca tenha sido festejado como foi o S.João.
Era a freguesia dos senhores da cidade, que normalmente encabeçavam as procissões ao som das matracas da noite.
Sufocava-se na cidade de segredos insondáveis…e as pessoas foram saindo, saindo….

Hoje quer-se uma cidade nova…

Acusam-se os governantes da mesma pelo que nela se passou. Tarde demais.
O rei ia nu e deixaram-no passar…