Porque não o Dia Mundial da Feitura de Palavras Por Cada Um de Nós?
Depois de semi-instituída a nova semi-ordem política, económica e social em Portugal, com o 25 de Abril de 1974 possível, o Ensino, que devia ter uma grande responsabilidade na institucionalização da escrita/leitura , na capacidade de se ser criativo e interventivo, preferiu conduzir o processo de ensino/aprendizagem para uma unificação que previsse a justiça social e igualdade de oportunidades.
Essa unificação, passava a justificar-se pela necessidade de todos os alunos terem acesso ao grau de engenheiros ou doutores.
Em contrapartida, essa unificação passou a instruir alunos do Baixo Barroso em Trás-os-Montes, tal como alunos das Courelas da Touguia no Baixo Alentejo, sobre a revolução de 1383/85, como se de pesca de truta em riachos se tratasse no caso dos primeiros; ou de carrego de fardos de palha para cima de uma camioneta no caso dos segundos, indiferenciando saberes, sentires e quereres.
Para se atenuar o erro, pelos corredores do Ministério da Educação entre doutoras de carreira da Linha, surgiu a douta necessidade do proteccionismo dos «meninos».
Hoje temos (esmagadoramente) pais, filhos da semi-revolução, que não sabem como instruir os seus filhos na prática da leitura, tão pouco percebendo os seus benefícios.
Passou então a ser quase proibida a utilização de manuais escolares nas salas de aula. Primeiro pela alergia que o mesmo provocava a alunos unificados no dever de aprender, tudo com o argumento pedagógico/didáctico de que o mesmo livro retiraria ao aluno capacidade criativa. Paradoxos da unificação.
Inverteu-se assim o sentido da utilidade do livro escolar, alegando-se até que seria mau professor aquele que fizesse uma utilização excessiva do mesmo junto dos seus alunos.
Passaram a ser mal educados os alunos e a serem desprestigiados os professores.
Hoje o lobby da Leitura, surge avassalador, demolidor, ultrapassado que está, o período em que se deveria terinstruído, através da Escola a vontade de criar palavras, debatê-las, escreve-las sempre que se sentisse necessidade disso.
Não se educou a liberdade de pensar, reflectir, escrever numa folha branca e imaculada, apenas porque o instrumento fundamental para esse efeito fora relegado para segundo plano. O pensamento livre e isento.
Hoje sobra o Ler que se quer instituir. Todavia, continua a não se ensinar a intervir através dessa leitura e exibem-se propostas de livros escritos pelos outros.
A Maria fez anos e fomos comemorá-los onde ela estava no domingo de Páscoa.
O odor a estevas enche-nos os pulmões, no percurso deserto de gente, em que a estrada pela sua sinuosidade deslumbra pela solidão, desconforto e desejo de chegar.
E o mistério mantém-se em Barrancos: O do nascimento, o da morte, o da estranheza que se entranha e deixa de ser estranha, porque o remédio está na própria natureza que nos possui e domina seja qual for a hora de chegada e de partida à vida.
Beija-se a criança, e as mulheres que enobreçam o acto de reforçar os laços de legitimidade conceptual, entretendo e forçando a menina a pronunciar palavras novas, embriagam estridentemente os dois anos da Maria, coitada…
Aproveitando a porta escancarada, deixo o frenesim da contemplação da Maria, por entre salas de uma casa onde impera o chão de xisto e o fresco que as paredes de taipa ainda não deixaram aquecer, apesar do magnífico sol vindo do fundo de um corredor contíguo a um quintal soalheiro e de matanças.
Refugio-me na Sociedade na procura da solidariedade masculina
Nem parece, mas no interior, os diálogos ensurdecedores, sobrepostos e até gritados, dos parentes que se misturam com outros parentes diante de pires de torresmos ou catalão e de vinho branco barato, faz esquecer o esgar de troça que fazemos deste mesmo vinho, na cidade grande, na escolha do melhor néctar.
Tento conversar com os primeiro parentes que me aparecem, que por sua vez me apresentam aos outros parentes, mas a concertina que acompanha uma espécie de zarzuela, de intenção lítrico/ dramática, destrói as minhas intenções.
A mesa é enorme e todos se acomodam em cadeiras de fundo de buinho e traves de madeira com motivos florais pintados em fundo azul. O tabuleiro do borrego crepita ou não viesse directamente do forno da padaria.
Aos homens são servidas as cabeças dos animais por ser de arte e engenho descobrir entre os contornos ósseos vestígios de carne e gelatina a ela associada. Dos miolos diz-se que fazem bem às crianças, o que é saudavelmente negado pelos pais da festejada Maria.
Chegou o momento do bolo, do apagar das velas da Maria, da entrada de outras crianças e respectivos pais. Beijos por todo o lado e Olás cheios de sorrisos contagiantes. Reconheci umas pessoas outras nem por isso, mas também ninguém estava preocupado com isso. Cantaram-se os parabéns.
A Maria parece estar a ficar habituada, apesar da recente lida da vida que os dois aninhos lhe proporcionam.
A Maria brilhou. Os pais estão felizes. Os avós também. A tia/madrinha contagiou a afilhada e vice versa.
Iniciaram-se as despedidas. Havia gente de muito longe. O Domingo de Páscoa chegava ao fim. Nós regressaríamos também.
Barrancos ficava lá, num altinho espreitando Encinasola, aguardando a ocupação de 34 lotes prontinhos a serem cedidos a quem os queira utilizar para dar inicio ao parque industrial que tem tanto para tirar à terra….
A mãe da Maria ligou hoje, porque a Maria tinha aprendido palavras novas no domingo de Páscoa em Barrancos, que procura ter um parque industrial:
-Olhe lá mê amigo…a minha senhora pergunta s´os senhoris gostam de sandis de presunto ou paio cá da terra?
-Gostamos sim senhor então porquê?
-Era só pra nã estarmos a encetar o animal…
interlúdio
-Pois nã senhora…são dois rapazis…
-Ai sim…Ti Josefa?...
-Si senhora, pois atão…
Tá claro…parece quio más novo anda atão metido nas drogas, ou lá diabo qué isso…olhe é uma desgracia…
-Ai…valha-me deus Maria santíssema…atão e o sê filho nã tem responso nele?
-Ele ter lá isso teim…mas a melher…olhi, o mê filho coitadinho nã devia era ter abalado daqui…é o quê lhe digo…
-Ai Ti Josefa…tã bem quele alem tava na comperativa e fazia aí tanto pa gente…colquer coisa qu´houvessitava sempre pronto a ajudari e logo se foi meter naquelas fábricas lá pra Lisboa coitadito..
E ela…ela é dali não?
-A modos que sim…si senhora e eu com as vacas a pariri e o mêTônio já sem poderi…olhi…mais valia que deus me levassi, mas era desta vida…
O jantar caiu-me mal pelo facto da selecção não ter marcado um golinho.
Depois do jogo acabar, fiz duas ou três inspirações e as respectivas expirações e voltei à normalidade, embora já me tenham explicado que não se deve inspirar muito profundamente depois do jantar. Mas das duas uma, ou inspirava por mor do desanuviamento do empate da selecção ou continuava com aquela murrinha na cabeça e como se sabe, aquelas inspirações servem precisamente para que as murrinhas da cabeça desapareçam.
Como não sou pessoa de me inquietar com coisas menores esqueci rapidamente o ocorrido e peguei no diário cá da terra, deparando com um artigo que dizia assim:
«Severiano Teixeira, Ministro da Defesa, elogia o lado humano de Marcelo Caetano»
O Diário do Sulreproduzia assim as palavras do próprio:
«Houve sempre uma contradição entre a formação de juristade Marcelo Caetano com o autoritarismo do Estado Novo», afirmou Nuno Severiano Teixeira, citando como exemplo a «intervenção da polícia política na Faculdade de Medicina em 1947, à qual Marcelo se opôs.»
Mais à frente dizia o prestigiante Diário do Sul, o tal jornal cá da terra:
«A autora do livro «Marcelo Caetano - O Homem que perdeua fé», Manuela Goucha Soares,formou-se na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa e é jornalista do semanário «Expresso», tendo sido assessora de SeverianoTeixeira aquando da sua passagem pelo ministério da AdministraçãoInterna, no final da década de 90.»
Depois pus-me a pensar:
Mas o Marcelo Caetano não fora deportado para o Brasil como forma de não ser julgado e condenado por ter mandado para as prisões da PIDE centenas de pessoas neste país?
Poderia um futuro Chefe de Governo do Estado Novo, como o foi Marcelo, ter contradições que revelassem por um lado, os laços afectivos ou humanos com os jovens, ao mesmo tempo que vinte anos depois os perseguia e prendia, só porque estes pediam um país livre mesmo com derrotas da selecção?
Admitamos até que sim. Que existia essa contradição.
Mas isso será razão para evocar o lado humano de um homem que mandou torturar outros homens e mulheres que pediam apenas um país livre, de gente com formação, educação e bem estar social?
O actual Ministro da Defesa, Severiano Teixeira, se pretende evocar a paz e a concórdia como forma de atenuar a indigestão da esmagadora maioria dos portugueses evitando assim uma insurreição, só pode estar a fazê-lo, apenas, para atenuar a derrota da nossa selecção…
Desta maneira apenas revela a sua contradição e consequentemente a sua inutilidade.