quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

NATAL ASSIM...


O menino estendido, o menino deitado, o menino crescido num lugar que é estimado

O poema parece nascer assim, desta frase oportunista, de evocação ao Natal e a todas as venturas, que em muita gente de sorriso amarelo parece esboçar uma tristeza.




O menino cresceu, foi-se habituando, quem sabe se amadureceu, no lugar que foi habitando.

O poema ameaça e continua sem regras, porque é imperativo chegar ao lugar onde viveu o menino, onde umas vezes estendido, outras deitado, cresceu, ora desabituado, ora confuso, ora encantado.




O menino fez-se homem e cresceu, fazendo-se à vida de cadilhos, de normas e brilhos se fez breu, deambulou por muitos sarilhos.

Terá o poema morrido sem ter nascido, por faltar ao homem a imagem de si, perdido em percursos que destruíram a lembrança do lugar onde nasceu ?




Mas o menino que é homem insiste, em querer ser homem com ardor, todavia resiste, pela causa única do amor.

Se o poema é resistência, então que persista, pela perseverança com que na evocação dos santos, se evocam homens meninos, nascidos em lugares estimados, por si habitados, vividos e abandonados

domingo, 22 de novembro de 2009

FÁBULA


Sem ser por querer e tender
Os braços baixam e suspiram
O corpo relança-se na procura
Do espaço que os braços deixaram
A alma esconde-se e insinua
Baralha, suplica e resiste
Apela à memória da loucura
E o corpo enfraquece, persiste
Surge a voz que se sente crua
Clama por gente e ventura
Sente por tudo o que queria
Com palavras sem eco
Ternura

segunda-feira, 16 de novembro de 2009

Ò VICENTE EXPLICA TU


As brincadeiras mediam-se pela rijeza, destreza, alguma astúcia e pé ligeiro.
A substância das coisas estava na facilidade com que se entendia imediatamente o que podia ser perdoado e aquilo que não tinha perdão.
Não existia, como hoje, a já famosa e atenuante interjeição do RAP: «Ah e tal!... E mais não sei quê…».
Era quase sempre clandestina a luta por tudo aquilo que não tinha perdão e franca a atitude de usufruto da liberdade disponível.


Daqui, extraio a esta distância, duas lições.
Parti o pião do Vicente e lembro-me de que ele só não se abraçou a mim de satisfeito com o meu acto de heroicidade, porque nesse tempo recebíamos duras lições de masculinidade.
A segunda e a mais importante tem a ver precisamente com a alegria do Vicente, que hoje poderá ser entendida «transversalmente» assim:
O Vicente ou era atrasadinho, ou tinha pais disfuncionais, ou problemas sócio-económicos, daí o seu fraco aproveitamento escolar, não estando atento nas aulas, sendo preguiçoso, pouco participativo, sem pré-requisitos, hábitos de estudo, falta de motivação, etc, etc.
Sim, porque isto de ficar a rir de cumplicidade, com quem lhe partiu o pião, é no mínimo revelador de dificuldades afectivo/cognitivas/comportamentais

Lembro-me perfeitamente do Vicente.
Era um estratega fantástico na distribuição dos cowboys, quando nos metia por atalhos na perseguição dos índios, nas nossas brincadeiras pelo bairro de terra batida.
No futebol sabia cruzar como nenhum. E eu que o diga que cabeceava com êxito, muitas vezes para a baliza, recebendo a bola milimetricamente dos seus pés.

Mesmo quando rezava por imposição, na escola dos padres que nos educavam, onde devoção só tínhamos a que nos deixavam ter, fazia-o sempre com o zelo que o acontecimento exigia, sabendo nós, que era ele que na sacristia comia as hóstias e bebia o vinho do padre Ernesto.

Sabia a tabuada de cor e explicava-nos enquanto jogávamos ao prego, que a aprendia enquanto plantava alfaces na horta com o avô, subtraindo as que colhia ao fim do dia, para acompanhar o guisado de favas que a mãe cozinhava.

Ainda a tarde era tarde, regressávamos da escola e ele atirava o bibe e a mala para o poial da porta e corria para o rossio a caminho da jogatana, enquanto os perus que por ali espenicavam, com ele gorjeavam, emitindo sons que recordo serem contagiantes de alegria.

Nem sei porque estou a dizer isto…mas foi a forma mais encorajadora que encontrei de retomar o meu espaço de meditação.

domingo, 27 de setembro de 2009

OUTONO-POLÍTICA-RELIGIÃO


Nos primórdios da nossa existência…-eu disse primórdios?...- Que seja.

Quando o homem era ainda uma sub-espécie daquilo que é hoje..-eu disse sub-espécie do que é hoje?...Que seja…

Quando as estações do ano era ainda miragem de Galileu, por tão pouco se dar importância a calendarizações, antes a outras devoções -ah….aqui vou deixar ficar «por tão pouco se dar importância a calendarizações».

Nesse tempo, dizia eu…os glaciares quase nos fariam escorregar, assim que chegássemos ali a Badajoz, hirtos e domesticados como já estaríamos.

Hoje, entre devoções cada vez mais introspectivas, criadoras de universos transcendentais que sabemos que podem reunir-se connosco a cada momento e a cada momento separarem-se de nós, por nossa iniciativa…reflectimos sobre as causas das nossas diferenças de humor.


No Outono do nosso encantamento, embrião de carência de serotonina para outros, vai-se a luxúria das noites de verão, desnudadas de orações, completam-se os ciclos que Darwin previu até à queda da folha e inicia-se a via sacra da reposição da fé na obra de um qualquer deus.


Atenua-se a febre com a suave variação térmica Outonal, com a face virada para o vento sudoeste; anuncia-se a chuva refrescante pela dança das folhas caducas que resistem amarelas a um caule aparentemente seco; olha-se para o norte azul e para o sul cor de pérola a antecipar o fim de tarde alaranjado e ameno; avistam-se ao longe as queimadas que nos trazem o incenso da natureza não pecadora; revolvem-se as terras que húmidas agradecem a renovação do pousio a que o verão insistente obrigou.


Afinal os deuses não estiveram longe. Andaram por perto e também se renovaram.

quarta-feira, 9 de setembro de 2009

VIVA A VIDA


Não quis reiniciar este espaço onde me encosto, sem que seja feita justiça à prodigiosa natureza.

A Seara teve cachorros, que só não nasceram na Serra da Estrela, porque ela adoptou o Alentejo como lugar de transumância final.

Aqui encontrou donos zelosos, mimos constantes.

Daqui pôs em debandada desde que cá chegou ( e já lá vão 6 anos), ratinhos faroleiros nervosos na procura de um grão da sua ração, rãs que no ribeiro coaxavam, toupeiras que lavravam a terra em vão, coelhos que visitavam a quinta sem perdão, na procura das raízes das arvores jovens…e como ela as protege…impedindo o Mouro de as regar com a sua enérgica micção territorial. Nem a tartaruga que por vezes nos espreita e que um dia nos visitou, ela impediu de pernoitar numa noite de lua cheia, ali junto ao muro que protege o marmeleiro.

Ela, a Seara, teve cachorrinhos que vão para os Açores quando ela entender que são autónomos.

Vão para os Açores porque a Lena, a Susana e o Pedro são Açorianos e foram testemunhas do olhar da Seara que os viu partir em direcção ao Oceano.

Um enorme abraço para a Susana e para a Lena que ajudaram a crescer todos os seres desta Quinta.

segunda-feira, 3 de agosto de 2009

QUEM ME LEVA ATÉ ELES??...




De que serve olhar assim com olhos de mendigo, boca cruzada em jeito de troça de si mesmo, quando o pecado cometido não é blasfemo, mas sim por medo?



quinta-feira, 30 de julho de 2009

O TEMPO NÃO DESGASTA...AJUDA A GOSTAR


O tempo das pessoas,

Que se gasta nas coisas delas

Indecisas e perturbadoras

As coisas e as vidas nelas


Para umas o tempo é ócio

Para outras o degredo do que sentem

Outras se inundam em confissões

Soturnas, crentes no que mentem


O que sente o tempo sabedor

Das vontades do tempo constante

Aprende a cadência da ironia

Emerge na volúpia do amor

quinta-feira, 9 de julho de 2009

A ESTEIRA


O sol anuncia-se firmemente:

-Assim fez sempre-dizia o pastor-

-Ou talvez não continuamente!...

Incauta e resignada assiste a malta,

Na palidez da planura em que persiste


E porque resiste assim a gente,

A tão natural acção do Estio,

Sem povilhal a que acorrer,

Ou sustento, para quem dele cuide?


Será pelo desamor do credo

A oração do universo bastante,

Que por tão febril e constante

Trás aos homens o medo da sorte?


Afinal quantos poemas de verão

Poderão ensombrar a canícula,

Quando é no inverno que se arrasa a alma

Que agora é sana, sem emoção, tão calma…


Poeta afinal, é o pastor que assim cura,

Com os olhos no deserto de ficar,

O que o Estio lhe anuncia de secura

Amarela e resistente às formas de amar


Por isso ele se cala com a Bonita

À Donzela sorri, gritando à Jeitosa

Dá favas à Boneca, assobia à rafeira

Sonha com afagos, só, na sua esteira.

quinta-feira, 18 de junho de 2009

VERDADE SÓ


Escrevo palavras que me soam

A coisas parecidas com outras coisas

Não encontro o dicionário

E prossigo

Porque não anseio ser refém do que digo


Se leio palavras escritas em mim

Depois de nascido para tal bravura

Imito-me sobre mim

E prossigo

Por querer ser feito do que consigo


Se alguém em mim ler o que sinto

Sem que eu diga o que lamento

Aí sim, abandono-me

E aceito

Porque só vivo pelo que não rejeito

terça-feira, 2 de junho de 2009

VIDA SENTIDA


Se a vida é bela como ela,

Como ela a vida sentida,

Não suguemos o veio da vida

Que alimenta a vida dela


Olha-se e não se vê nela

A dor que em si é vivida

Por ser em si renascida

Por em cada dia ser ela


Mesmo quando em si ecoa

Em força, tumultos mil

Mesmo assim é triste e boa


Oriunda de contrastes nela

À dor de si, rude e vil

Sobe sempre o amor por ela

segunda-feira, 25 de maio de 2009

AO NOVO IMPERADOR


O espaço está preenchido de coisas paradas.

É suposto nunca se pensar que alguma vez a dinâmica da vida posso sofrer interrupções.

Atrevo-me sem saber bem porquê a pensar que estão a acontecer períodos demasiado longos dessa inércia, que inibe a azáfama das pessoas. O buliço que as ocupa, as constrange até, perante dificuldades, alegrias ou anseios.

Há uma espécie de regresso ao ócio, tão fértil para os Gregos da Antiguidade, sem que hoje, todavia, nada haja para contemplar.

Fortalece-se até institucionalmente a prática do sedentarismo. A harmonia começa a quebrar-se.

Falo de harmonia em que a própria guerra é elemento integrante.

Hoje não há guerras pois nem aí o homem se atreve a revelar-se. Esconde-se e utilizando o radicalismo funcionalista da governação, aplica majorações como se dependêssemos todos da materialização dos nossos sentidos.

Em Portugal, país sempre adiado, tudo está por decidir e talvez esse seja o nosso desígnio, até ao Império que dizem ser o Quinto e que os nossos poetas e filósofos mais consagrados remeteram para o nosso imaginário.

Se assim for, não quero uma parte desse mistério depois de resolvido e quero que ele se condense cada vez mais. Se perpetue na vida de todos nós, fazendo disso o nosso devir.

Quero acreditar, que acreditaremos, que seja essa a razão do aparente e nostálgico torpor em que vivemos, homens e mulheres do nosso tempo, na nossa terra, no nosso país.

quarta-feira, 20 de maio de 2009

AMARAR VINDO DE LÁ....


Aqui tenho dito o que não disse por não ser tempo de contar

Porque ancorado estava nas réstias da vida, que não era minha

Estranhando por ela, sem perceber o sentido que a dita tinha

Entro no estuário feito maré, que para o mar me vai empurrar


Navegando à bolina, que como aqui entrando já mareei

Sinto-me no limbo das fainas justas apenas por ajustar

Onde me sinto crente, orando em visões por realizar

Mar alto de gente, por nada dever a quem nunca amei


A brisa é forte, revigora-me nas ondas, é o cordame ensopado

Enquanto as velas afunilam no ar, ameaçando a minha coragem

Vejo-me estonteado e equilibro-me na ideia de estar a ser amado


Por ti sim!.. A vida sem freio nem guarida não ouso voltar

Vou de regresso a porto seguro, pois me espera fácil ancoragem

Por ali me dirigires cadente, como estrela de universo para amar

sexta-feira, 8 de maio de 2009

TELEFONA SEMPRE PÁ....


Os sons comunicantes

Das vozes cativantes

Que não se podem ver

São como mãos vibrantes

Que anseiam escrever

Sobre coisas mutantes

quarta-feira, 29 de abril de 2009

DIÁLOGO COM A MINHA NATUREZA


Fito as árvores através da janela coberta por panos finos

Que antecede e amedronta a cupidez do encontro com elas

Quando por manhas e feitios de tecer nelas o destino

Sou afinal de mesteres, oriundo de crenças no destino delas


Daqui lhes grito: -Não quero floresta no reino da minha ventura!...

Por ser de partilha o vento que delas sinto e em liberdade desejo

Deusas e oprimidas que veriam ameaçada a sua fina candura

E aqueles gestos que por trás da janela de pano fino eu vejo


Daqui distante delas as leio com fantasia e vejo a sua nudez

Com o que o meu sorriso permite de confiança e desassossego

Crendo tê-las e ouvindo-as sentir clamarem pela sua altivez


Deixo a pena e precipito-me no lençol de folhagem em lamento

Que cerca o reino na nossa confissão, dor e aconchego

Para roçar nos galhos de sedução, frescura e contentamento

quinta-feira, 23 de abril de 2009

CONVÉM RELER...


Ler as palavras dos outros.

A proposta global de hoje envolve a Leitura.

Porque não o Dia Mundial da Feitura de Palavras Por Cada Um de Nós?

Depois de semi-instituída a nova semi-ordem política, económica e social em Portugal, com o 25 de Abril de 1974 possível, o Ensino, que devia ter uma grande responsabilidade na institucionalização da escrita/leitura , na capacidade de se ser criativo e interventivo, preferiu conduzir o processo de ensino/aprendizagem para uma unificação que previsse a justiça social e igualdade de oportunidades.

Essa unificação, passava a justificar-se pela necessidade de todos os alunos terem acesso ao grau de engenheiros ou doutores.

Em contrapartida, essa unificação passou a instruir alunos do Baixo Barroso em Trás-os-Montes, tal como alunos das Courelas da Touguia no Baixo Alentejo, sobre a revolução de 1383/85, como se de pesca de truta em riachos se tratasse no caso dos primeiros; ou de carrego de fardos de palha para cima de uma camioneta no caso dos segundos, indiferenciando saberes, sentires e quereres.

Para se atenuar o erro, pelos corredores do Ministério da Educação entre doutoras de carreira da Linha, surgiu a douta necessidade do proteccionismo dos «meninos».

Hoje temos (esmagadoramente) pais, filhos da semi-revolução, que não sabem como instruir os seus filhos na prática da leitura, tão pouco percebendo os seus benefícios.

Passou então a ser quase proibida a utilização de manuais escolares nas salas de aula. Primeiro pela alergia que o mesmo provocava a alunos unificados no dever de aprender, tudo com o argumento pedagógico/didáctico de que o mesmo livro retiraria ao aluno capacidade criativa. Paradoxos da unificação.

Inverteu-se assim o sentido da utilidade do livro escolar, alegando-se até que seria mau professor aquele que fizesse uma utilização excessiva do mesmo junto dos seus alunos.

Passaram a ser mal educados os alunos e a serem desprestigiados os professores.

Hoje o lobby da Leitura, surge avassalador, demolidor, ultrapassado que está, o período em que se deveria ter instruído, através da Escola a vontade de criar palavras, debatê-las, escreve-las sempre que se sentisse necessidade disso.

Não se educou a liberdade de pensar, reflectir, escrever numa folha branca e imaculada, apenas porque o instrumento fundamental para esse efeito fora relegado para segundo plano. O pensamento livre e isento.

Hoje sobra o Ler que se quer instituir. Todavia, continua a não se ensinar a intervir através dessa leitura e exibem-se propostas de livros escritos pelos outros.

quarta-feira, 22 de abril de 2009

NEM QUE FOSSES O 432...


A Susan Boyle que por si existe

Emersa na negrura dos dias

Dos outros que não os seus.

Atentos que os outros estejam

À rosácea voz dos seus sonhos

De sonhos sonhados e vivos

Pela alegria do tempo que ido

É da minha emoção também

http://www.youtube.com/watch?v=j15caPf1FRk


segunda-feira, 13 de abril de 2009

AI A MINHA VIDA!...


A Maria fez anos e fomos comemorá-los onde ela estava no domingo de Páscoa.

O odor a estevas enche-nos os pulmões, no percurso deserto de gente, em que a estrada pela sua sinuosidade deslumbra pela solidão, desconforto e desejo de chegar.

E o mistério mantém-se em Barrancos: O do nascimento, o da morte, o da estranheza que se entranha e deixa de ser estranha, porque o remédio está na própria natureza que nos possui e domina seja qual for a hora de chegada e de partida à vida.

Beija-se a criança, e as mulheres que enobreçam o acto de reforçar os laços de legitimidade conceptual, entretendo e forçando a menina a pronunciar palavras novas, embriagam estridentemente os dois anos da Maria, coitada…

Aproveitando a porta escancarada, deixo o frenesim da contemplação da Maria, por entre salas de uma casa onde impera o chão de xisto e o fresco que as paredes de taipa ainda não deixaram aquecer, apesar do magnífico sol vindo do fundo de um corredor contíguo a um quintal soalheiro e de matanças.

Refugio-me na Sociedade na procura da solidariedade masculina

Nem parece, mas no interior, os diálogos ensurdecedores, sobrepostos e até gritados, dos parentes que se misturam com outros parentes diante de pires de torresmos ou catalão e de vinho branco barato, faz esquecer o esgar de troça que fazemos deste mesmo vinho, na cidade grande, na escolha do melhor néctar.

Tento conversar com os primeiro parentes que me aparecem, que por sua vez me apresentam aos outros parentes, mas a concertina que acompanha uma espécie de zarzuela, de intenção lítrico/ dramática, destrói as minhas intenções.

A mesa é enorme e todos se acomodam em cadeiras de fundo de buinho e traves de madeira com motivos florais pintados em fundo azul. O tabuleiro do borrego crepita ou não viesse directamente do forno da padaria.

Aos homens são servidas as cabeças dos animais por ser de arte e engenho descobrir entre os contornos ósseos vestígios de carne e gelatina a ela associada. Dos miolos diz-se que fazem bem às crianças, o que é saudavelmente negado pelos pais da festejada Maria.

Chegou o momento do bolo, do apagar das velas da Maria, da entrada de outras crianças e respectivos pais. Beijos por todo o lado e Olás cheios de sorrisos contagiantes. Reconheci umas pessoas outras nem por isso, mas também ninguém estava preocupado com isso. Cantaram-se os parabéns.

A Maria parece estar a ficar habituada, apesar da recente lida da vida que os dois aninhos lhe proporcionam.

A Maria brilhou. Os pais estão felizes. Os avós também. A tia/madrinha contagiou a afilhada e vice versa.

Iniciaram-se as despedidas. Havia gente de muito longe. O Domingo de Páscoa chegava ao fim. Nós regressaríamos também.

Barrancos ficava lá, num altinho espreitando Encinasola, aguardando a ocupação de 34 lotes prontinhos a serem cedidos a quem os queira utilizar para dar inicio ao parque industrial que tem tanto para tirar à terra….

A mãe da Maria ligou hoje, porque a Maria tinha aprendido palavras novas no domingo de Páscoa em Barrancos, que procura ter um parque industrial:

-Olá Maria…daqui é a Tia…Olá…

-Olá Tia…Ai a minha vida…ai a minha vida…

sexta-feira, 3 de abril de 2009

VENHAM ATÉ CÁ, VENHAM...


-Ora bom dia meus senhores…

-si senhores…atão que mandam cá por estas bandas?

-Olhe….vamos a caminho de Beja, cheios de fome e como o senhor tem ali um letreiro que diz que tem «sandes de tudo», a gente, resolveu parar.

-Pois fizeram vocemessês muntíssimo bêim…pois fiquem os senhores sabendo qué verdadi.

-Mas tem a certeza que tem mesmo «sandes de tudo»

-Si senhora. É só pediri que a minha senhora trata já desse assunto.

-Ora ainda bem , meu amigo. Nesse caso arranje-nos aí duas sandes de carne de elefante, uma para mim e outra aqui para o meu amigo.

-Si senhora. É prá já.

Ò Maria arranja lá aí duas sandis de carne de elifante aqui pra estes senhores.

-Ò Alfredo, homem…chega lá aqui dentro pra ma´judaris

(Alfredo ausenta-se regressando poucos minutos depois)

-Olhe lá amigo…a minha senhora pergunta s´os senhoris gostam de sandis de presunto ou paio cá da terra?

-Gostamos sim senhor então porquê?

-Era só pra estarmos a encetar o animal…



interlúdio










-Pois senhora…são dois rapazis

-Ai sim…Ti Josefa?...

-Si senhora, pois atão

Tá claro…parece quio más novo anda atão metido nas drogas, ou lá diabo qué isso…olhe é uma desgracia

-Ai…valha-me deus Maria santíssemaatão e o sê filho tem responso nele?

-Ele ter lá isso teim…mas a melherolhi, o filho coitadinho devia era ter abalado daqui…é o quê lhe digo…

-Ai Ti Josefa… bem quele alem tava na comperativa e fazia aí tanto pa gente…colquer coisa qu´houvessi tava sempre pronto a ajudari e logo se foi meter naquelas fábricas lá pra Lisboa coitadito..

E ela…ela é dali não?

-A modos que sim…si senhora e eu com as vacas a pariri e o Tônio já sem poderiolhi…mais valia que deus me levassi, mas era desta vida…











quinta-feira, 2 de abril de 2009

CADA VEZ MAIS...





O jantar caiu-me mal pelo facto da selecção não ter marcado um golinho.

Depois do jogo acabar, fiz duas ou três inspirações e as respectivas expirações e voltei à normalidade, embora já me tenham explicado que não se deve inspirar muito profundamente depois do jantar. Mas das duas uma, ou inspirava por mor do desanuviamento do empate da selecção ou continuava com aquela murrinha na cabeça e como se sabe, aquelas inspirações servem precisamente para que as murrinhas da cabeça desapareçam.

Como não sou pessoa de me inquietar com coisas menores esqueci rapidamente o ocorrido e peguei no diário cá da terra, deparando com um artigo que dizia assim:

«Severiano Teixeira, Ministro da Defesa, elogia o lado humano de Marcelo Caetano»


O Diário do Sul reproduzia assim as palavras do próprio:

«Houve sempre uma contradição entre a formação de jurista de Marcelo Caetano com o autoritarismo do Estado Novo», afirmou Nuno Severiano Teixeira, citando como exemplo a «intervenção da polícia política na Faculdade de Medicina em 1947, à qual Marcelo se opôs.»


Mais à frente dizia o prestigiante Diário do Sul, o tal jornal cá da terra:

«A autora do livro «Marcelo Caetano - O Homem que perdeu a fé», Manuela Goucha Soares, formou-se na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa e é jornalista do semanário «Expresso», tendo sido assessora de Severiano Teixeira aquando da sua passagem pelo ministério da Administração Interna, no final da década de 90.»


Depois pus-me a pensar:

Mas o Marcelo Caetano não fora deportado para o Brasil como forma de não ser julgado e condenado por ter mandado para as prisões da PIDE centenas de pessoas neste país?


Poderia um futuro Chefe de Governo do Estado Novo, como o foi Marcelo, ter contradições que revelassem por um lado, os laços afectivos ou humanos com os jovens, ao mesmo tempo que vinte anos depois os perseguia e prendia, só porque estes pediam um país livre mesmo com derrotas da selecção?


Admitamos até que sim. Que existia essa contradição.


Mas isso será razão para evocar o lado humano de um homem que mandou torturar outros homens e mulheres que pediam apenas um país livre, de gente com formação, educação e bem estar social?


O actual Ministro da Defesa, Severiano Teixeira, se pretende evocar a paz e a concórdia como forma de atenuar a indigestão da esmagadora maioria dos portugueses evitando assim uma insurreição, só pode estar a fazê-lo, apenas, para atenuar a derrota da nossa selecção…

Desta maneira apenas revela a sua contradição e consequentemente a sua inutilidade.