quarta-feira, 28 de maio de 2008

O MAIO DA NOSSA PRAÇA


Que a nossa Praça se transforme.

Faça-se uma fogueira no centro dela e cante-se uma canção, que possa ser o hino da naturalidade das coisas, em que vivem pessoas.

E não das coisas em que transformam as pessoas.

segunda-feira, 26 de maio de 2008

JÁ NÃO HÁ CADAFALSOS


Nos Estaus o rei pernoitara, depois de um dia em Cortes com os homens bons da cidade.
Muito queixume ouvira D. João II, e ainda teria que mandar matar um Duque.

Já na Praça Grande um majestoso engenho se erguia, sobre um palco que seria bem visível desde a rua Ancha até à dos Mercadores.

Panos pretos envolviam toda aquela arquitectura efémera, que haveria de ficar para a história, como a que servira de cenário aos que conspiraram contra o rei.

Viera o Duque do norte, acreditando que seria convidado para o casamento da filha de D. João II. Esperava-o a morte, não com baraço, mas sim à moda francesa.

Mouros e judeus foram os primeiros a posicionar-se na Praça. O Rei tardaria.

Finalmente, enorme algazarra vinha agora da Alcárcova e prostrado o Duque, trazia de lá, no rosto, o sinal do arrependimento, que apenas a confissão do padre ouvira.

O Rei e o seu séquito ocupam os seus lugares na sacada dos Paços do Concelho, enquanto o algoz aguarda de capuz preto já enfiado na cabeça, a sua tarefa que consistiria em posicionar a nobre cabeça do Duque, no espaço onde o enorme cutelo cairia em estreia.

A multidão que circundava a Praça Grande silenciou-se quando o Duque iniciou a subida dos degraus do enorme palco, que ao centro exibia um robusto cadafalso.

Diz-se que o Duque rejeitou a última oração e que apenas olhara fixamente o Rei durante largos segundos, antes de aceder sem oposição às orientações do algoz.
Debruçou-se então sem esforço, já de joelhos, sobre o cepo de madeira contornado à medida do seu pescoço e aguardou.

O Rei que levantara a mão lentamente, mais depressa a fez cair em sinal de ordem ao algoz, para que este desengatasse a lâmina reluzente. Esta deslizou com um silvo que parece ter deixado eco em toda a praça, enquanto a cabeça do Duque se separava do corpo, que por momentos não permaneceu inerte.

O som abafado, escapatório, do povo e de alguns burgueses, que quase coincidiu com o golpe, mais pareceu de dor, atenuada com o rápido recolhimento do Rei para o interior dos Paços do Concelho. Sucederam-se os murmúrios…

O cortejo fúnebre até ao Convento de S. Domingos, muito acompanhado, pressagiou o esquecimento.
O Rei, momentos antes estivera presente, mas estivera nu.

segunda-feira, 19 de maio de 2008

AINDA ASSIM....


No limiar da aventura das coisas, desventurado,
Sem nexo das formas, que se afirmam sempre assim,
Caminha para as coisas, que vive mal amado
Desconhecendo o destino e dizendo sempre sim…

Não se sabe se são gestos insinuados ou de feição,
Os verdadeiros, ou de sentimentos a si unidos,
Os contrários aos movimentos, podres de intenção
Os que fazem acreditar nos mitos não destruídos

Alentejo de medo, de fé, ou adormecimento
Aprendidos por fluxos de hábitos e outros ventos
Tradições que reduziram o seu empenhamento
Pela força das temeridades, trazidos pelos tempos

sexta-feira, 2 de maio de 2008

SABEDORIA ANTECIPADA


Lembro-me do meu pai dizer que devia cumprimentar as pessoas todas.
Eu hoje vejo poucas pessoas a cumprimentarem-se na minha terra, mas se calhar é por se conhecerem mal.
O meu pai tinha uma admiração muito grande pelos Americanos e pelos Russos e recordo-me de engrandecer quer uns, quer outros e eu empolgava-me a ouvir aquilo.
Hoje ponho-me a pensar nisto e esboço um sorriso fugaz. Depressa me emendo pensando no que isso quereria dizer.
Mas como ele me dizia que eu e os meus irmãos devíamos falar às pessoas todas, com respeito e devoção até, como que deixando bem marcada a nossa diferença em relação às pessoas mais velhas que nós, e como tal mais sabedoras, eu achava que tudo era proporcional.
Eu estaria para as pessoas mais velhas, em desconhecimento daquilo que era o que elas sabiam do meu destino, como o meu pai estaria para os americanos e os russos, em conhecimento do que eles representariam de poder, força e grandeza para ele.
Isto levou-me um dia, sem que os meus 10 anos de existência me conferissem alguma habilidade política a perguntar ao meu pai se ele podia com a espada do D. Afonso Henriques. Confesso que não recordo a resposta que ele me deu, mas hoje sei que ele bastar-se-ia perfeitamente para uma espada daquelas.
Americanos e Russos no princípio dos anos 60 imagine-se…Não admira que ele quisesse que falássemos às pessoas todas lá do bairro, até com alguma devoção.