segunda-feira, 13 de abril de 2009

AI A MINHA VIDA!...


A Maria fez anos e fomos comemorá-los onde ela estava no domingo de Páscoa.

O odor a estevas enche-nos os pulmões, no percurso deserto de gente, em que a estrada pela sua sinuosidade deslumbra pela solidão, desconforto e desejo de chegar.

E o mistério mantém-se em Barrancos: O do nascimento, o da morte, o da estranheza que se entranha e deixa de ser estranha, porque o remédio está na própria natureza que nos possui e domina seja qual for a hora de chegada e de partida à vida.

Beija-se a criança, e as mulheres que enobreçam o acto de reforçar os laços de legitimidade conceptual, entretendo e forçando a menina a pronunciar palavras novas, embriagam estridentemente os dois anos da Maria, coitada…

Aproveitando a porta escancarada, deixo o frenesim da contemplação da Maria, por entre salas de uma casa onde impera o chão de xisto e o fresco que as paredes de taipa ainda não deixaram aquecer, apesar do magnífico sol vindo do fundo de um corredor contíguo a um quintal soalheiro e de matanças.

Refugio-me na Sociedade na procura da solidariedade masculina

Nem parece, mas no interior, os diálogos ensurdecedores, sobrepostos e até gritados, dos parentes que se misturam com outros parentes diante de pires de torresmos ou catalão e de vinho branco barato, faz esquecer o esgar de troça que fazemos deste mesmo vinho, na cidade grande, na escolha do melhor néctar.

Tento conversar com os primeiro parentes que me aparecem, que por sua vez me apresentam aos outros parentes, mas a concertina que acompanha uma espécie de zarzuela, de intenção lítrico/ dramática, destrói as minhas intenções.

A mesa é enorme e todos se acomodam em cadeiras de fundo de buinho e traves de madeira com motivos florais pintados em fundo azul. O tabuleiro do borrego crepita ou não viesse directamente do forno da padaria.

Aos homens são servidas as cabeças dos animais por ser de arte e engenho descobrir entre os contornos ósseos vestígios de carne e gelatina a ela associada. Dos miolos diz-se que fazem bem às crianças, o que é saudavelmente negado pelos pais da festejada Maria.

Chegou o momento do bolo, do apagar das velas da Maria, da entrada de outras crianças e respectivos pais. Beijos por todo o lado e Olás cheios de sorrisos contagiantes. Reconheci umas pessoas outras nem por isso, mas também ninguém estava preocupado com isso. Cantaram-se os parabéns.

A Maria parece estar a ficar habituada, apesar da recente lida da vida que os dois aninhos lhe proporcionam.

A Maria brilhou. Os pais estão felizes. Os avós também. A tia/madrinha contagiou a afilhada e vice versa.

Iniciaram-se as despedidas. Havia gente de muito longe. O Domingo de Páscoa chegava ao fim. Nós regressaríamos também.

Barrancos ficava lá, num altinho espreitando Encinasola, aguardando a ocupação de 34 lotes prontinhos a serem cedidos a quem os queira utilizar para dar inicio ao parque industrial que tem tanto para tirar à terra….

A mãe da Maria ligou hoje, porque a Maria tinha aprendido palavras novas no domingo de Páscoa em Barrancos, que procura ter um parque industrial:

-Olá Maria…daqui é a Tia…Olá…

-Olá Tia…Ai a minha vida…ai a minha vida…

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