domingo, 29 de julho de 2007

O HOMEM EM FESTA


São festas em Agosto.
O homem por cá esquece-se que existe inteiro e vai para a praça tentar recordar-se apenas de si.
Por vezes a mulher chama-o, os filhos também, mas ele adormeceu o lado esquisito da vida a permanece de mãos nos bolsos, indiferente a todos que dizem conhecê-lo.
Evade-se, porque o invade um sorriso que raramente reconhece ter e não quer perder, enquanto olha e ouve a música que ecoa naquela praça.
A música invade-lhe os sentidos e pensa-se poeta, músico, astronauta e até cantor.
Tudo menos o que é.
Permanece de sorriso constante enquanto a ouve e sabe que alguém o observará naquela posição de estátua.
Sabe que lhe estarão a chamar louco.
Mas é naquela posição que quer permanecer, por breves momentos, enquanto se sentir diferente dos dias em que a música não se ouve naquela praça.

terça-feira, 24 de julho de 2007

CREPÚSCULO




O homem recolhe-se no estuário de um rio e chama-lhe a sua casa como se de fora tudo viesse como estranho.
Percorrera sem fim o rio para montante, petiz ainda na companhia dos homens da vila, mas estranhara o azedume daquela caminhada de eterno regresso.
Desceu um dia pela madrugada de novo, mas sózinho e olhara a foz que se espraiava confundindo-se com o céu.
Qualquer abrigo lhe serviria para se proteger do frio ou da chuva, porque qualquer desses elementos estarão perto da sua natureza.
Construiu um barco e uns remos, experimentou a navegação movida pelos braços, que sabia, lhe serviriam para alimentar a alma e o sopro imaginário do vento das grandes fantasias.
Agora quando anoitece, do seu abrigo, ouve as ondas ao longe e sente que de lá, de onde o infinito sangra de crepúsculo, virá um dia alguém que o levará consigo, na maré das barcas que perseguem a estrela de alva, para lá do eterno mundo dos homens eternamente surpreendidos.

segunda-feira, 23 de julho de 2007

CORO DAS CARPIDEIRAS


Resolvi romper um pouco, a partir daqui, com o cromatismo maniqueísta do preto e branco, pela importância que resolvi dar ao trabalho desenvolvido pela Oficinadaterra, galeria de arte, ligada ao artesanato que tanto anima a nossa terra.

Não gosto da cor quando ela não é natural, daí ter-me retraído em relação à sua utilização.

Claro que podem protestar à vontade, mas visitem a Oficina da terra que vale a pena.






E quando a morte se ergue na cruz
Seja ela de luz ou de dor
Levantam-se os odores e os amores
Levados pelo pesar da perda
Silenciam-se os rancores
Fica quase sempre o perdão
Abraçam-se os de condão
Quedam-se os sem tostão

Destacam-se as carpideiras
Que em desnudíssimo coro
Se revezam na pregação
De alma sofredora de mulher
Que sabe durar para sempre
Carpindo perante o pendente
Que estranho, distraído e crente
Sobra na sombra da cruz


http://www.oficinadaterra.com/

domingo, 22 de julho de 2007


MOTE
Fui do Algarve a Bragança
Corri travessas e ruas
Sem um centavo na algibeira
Sempre no comboio das duas


Fui de Lagos a Portimão
em Sines fiz uma paragem
enchi-me de coragem
estive em Faro e Olhão
em Tavira comprei um pão
em Beja dancei uma dança
em Évora ganhei esperança
de não errar o caminho
andei sempre sozinho
fui do Algarve a Bragança




Cheguei inda a casa nesse verão
Passando pela Vidigueira
Batia ainda o sol na eira
Fazia um calor do cabrão
Esfomeado que nem um ladrão
Logo fiquei com a esperança
De não haver mais errança
Ali falei com ti`Chalrrito
Para que a Junta do Alvito
Prantasse uma placa com cagança

quinta-feira, 19 de julho de 2007

SINAIS DO TEMPO


João de Deus, também passou por cá, e por isso merece ser recordado pela importância pedagógica que podemos retirar do valor que deu às palavras.


Esboçou o princípio da destruição do mito em que as «imagens» poderiam exercer sobre as palavras, um poder quase absoluto, numa altura em que a instrução básica era iniciada à entrada para 1ª República.



Por isso criou a Cartilha Maternal.

http://purl.pt/145/3/



Pouca importância continua a ser dada à descoberta das palavras, sobretudo por parte dos políticos e de alguns mestres, que insistem em ignorar que estas são para se dizer, para se ouvir, para se entender, para se explicar.



Coube a Joaquim Teixeira de Castro, Visconde de Arcozello, fundar a primeira escola onde o novo sistema proposto por João de Deus foi aplicado.



Aqui vos deixo o pedagogo e poeta, João de Deus, bem como um apontamento de solidariedade do seu amigo, Antero de Quental quando este propunha um poeta em cada um dos cidadãos... «Tu que dormes, espírito sereno,/Acorda!É tempo!O sol é já alto e pleno»...

terça-feira, 17 de julho de 2007

O TOQUE FAZ MILAGRES


Como qualquer lugar, este é neutro, sublime ou insignificante
Todos se foram e ficaram as marcas do tempo que permanece ou se alonga até ao infinito da lembrança
Por isso é importante tocar nos sítios por onde se passa
O milagre pode operar-se, naquele instante
O vinho pode ser o sangue
A revolução.

segunda-feira, 16 de julho de 2007

FLOR BELA


Abre-se a folha branca e semeiam-se palavras trazidas pela emoção mais recôndita, aquela emoção, onde na esteira da nascente , se procura infinitamente a foz.

Força-se o sentimento a construir alegria, tristeza ou desalento, pois assim restará esperança em cada confronto.

Sintetiza-se o que se quer dizer, para que a folha não se rasgue, antes que possa servir as palavras que são trazidas pela consciência.

Tenta descobrir-se o novelo de fio que se estendeu até à descoberta da frustração incólume e que por isso mesmo mantém a angustia.

Rodopia-se e acorda-se, voltado sempre para o lado branco da folha, onde se sonhara ter escrito uma história de amor.

sábado, 14 de julho de 2007

ESTAREI PERTO DE SER DEUS?


Por ser esperançoso da minha busca
Porque fiquei longe de ti
Sou agora quem sabe, quem és para mim
Porque fiquei longe de ti?
Por ser esperançoso esperarei por ti
Porque sei que sempre o que houver
Por ser esperançoso estarei aqui por ti?

Serei agora eternamente quem esqueci?
Por saber quem és para mim,
Não podendo já esperar mais por ti?

Amo deveras em deus?
Foste tu a causa da minha solidão?
És a representação do meu ser de fé
Da minha alma de solidão
Da minha tarefa diária de coração?
Mas se eu penso em ti…

Serei o que, quando quiseres mudar-me a vida
Direi que não a quero para mais nada
Sem que me sirva sem ti?

domingo, 8 de julho de 2007

A FÉ DOS HOMENS


O João corria com uma ânsia de medo, misturada com pressa de cumprir o horário da entrega do livro na encadernação para que fossem douradas as capas.
Antes, aprendera a cozê-los com uma agulha grossa e um fio que mostrava estar ali para agarrar as folhas para sempre.
O seu mestre fazia o trabalho de recuperação de livros velhos, sentado numa cadeira de rodas, pela imobilidade a que estava sujeito. Era um trabalho artesanal feito com mestria e pouca desenvoltura, como as coisas com mestria pedem que se façam.
Por isso o João aprendera devagar, mesmo nas horas de pausa do mestre Aniceto, que dava as indicações enquanto almoçava aquelas sardinhas de escabeche com muito azeite e cebola.
Quantas vezes o João se questionava, quanto à frequência com que o mestre Aniceto comia sardinhas com muito azeite…
Passada a hora de almoço do mestre, o João tinha tempo então de ir num ápice, a correr a sua casa no bairro mais limítrofe da cidade, comer um prato de massa com feijão, que o esperava já colocado na mesa acompanhado da advertência materna, da necessidade de comer depressa, pois o mestre não perderia pela demora em repreendê-lo caso chegasse atrasado ao ofício…
Os catorze anos do João, permitiam-lhe digerir rapidamente a proteica refeição, desde a entrada na cidade até ao espaço intra-muros, da habitação do mestre Aniceto.
Era na velha mouraria que se situava a habitação do artesão, homem de quarenta e tal anos, que vivendo com sua mãe e irmã solteira, de idade idêntica à sua, necessitava de um aprendiz que fosse elemento reforçador de vontades e impossibilidades de toda aquela família.
O João percebia a dificuldade do mestre em mover-se para fora daquela casa de primeiro andar pela deficiência motora óbvia, que talvez por isso, o transformava por vezes numa pessoa estranha, inexpressiva por vezes e por outras com expressão a mais.
A irmã ligeiramente mais nova, muito alta e ligeiramente curvada na parte superior do corpo, debitava ondas de calor que ao João sabiam a uma comida estranha, pela proximidade a que a mulher por vezes se colocava em relação a ele.
A mãe de ambos, mulher igualmente alta, de compleição física forte, toda vestida de negro, berrava constantemente, e mandava o João à rua comprar as «mercearias» diariamente, interrompendo a labuta da cozedura dos livros.
O mestre Aniceto protestava energicamente com a mãe pelo facto, uma vez que o trabalho do João era necessário para a cozedura dos livros. Iniciava-se uma vibrante discussão entre mãe e filho, enquanto era visível a fuga da filha para uma das dependências da habitação.
O João aguardava nervosa e quotidianamente, o desfecho das discussões, de decibéis elevadíssimos que normalmente acabava com a conclusão que parecia ser de aceitação unânime:
-Então o gaiato não é nosso criado?? Posso mandá-lo onde eu quiser e não tens nada com isso!!Esqueceste quem carrega com essa carga de ossos todos os dias para a cama??
Vá!...vai lá à mercearia e traz ¼ de feijão encarnado, 250gr de manteiga e meio litro de azeite!! E não te demores que tens que trabalhar ouviste??
O João trazia as comedorias encomendadas, que ficavam registadas no livro comprido dos «fiados» da mercearia, sentava-se de novo na sua mesa improvisada de trabalho, pegava na agulha e desatava a coser os livros com o rigor e concentração que o mestre Aniceto lhe recomendava.
Trabalhava e pensava.
Pensava nas horas a que iria poder sair dali, pois havia retomado a Escola tal como fora a promessa do pai, que dissera que, logo que fizesse os 14 anos, iria estudar à noite e isso alegrava-o.
Tinha sido um choque a sua retirada da escola aos 12 anos.
Todos os dias as aulas começariam às 7 horas da noite e trabalhar depressa era o seu objectivo.
Pensava ainda, que havia que fazer face aos encargos da casa, ordenara o pai, perante o olhar lacrimejante e silencioso da mãe, que gostaria de ver os filhos prosseguir os estudos regulares.
Todos não seriam demais para pôr a vida da família, de mãe doméstica, pai operário e três filhos, em equilíbrio embora precário.
Eram os 5$00 diários, que multiplicados pelos 6 dias da semana, levavam o pai do rapaz semanalmente, à mouraria, para agradecer o grande favor ao mestre Aniceto de manter o seu filho naquele digno ofício e receber a semanada pelo trabalho do João.

-João !...Vais levar estes livros para dourar as capas ao Sr. José Miguel e não te demores porque são quase 7 horas e ele deve estar a fechar…e depois podes ir para casa…
O Sr. José Miguel tinha a arte de dourar os livros depois de encadernados. Vivia na extremidade norte da cidade, que distava da mouraria mais de meia hora de caminho. O João teria que correr e muito, para chegar a casa depois de deixar os livros a dourar. Não estaria a jantar antes das 8 horas da noite, perderia uma ou duas aulas e muitas vezes não jantava porque, não queria deixar de estudar assim…

Em silêncio… porque se vivia assim no tempo em que era aprendiz de encadernador, o João passava todos os dias pela Igreja que ficava à esquerda do seu percurso para a Escola.
Por vezes pensava entrar e sem abrandar o passo, sorria quando se imaginava a entrar e a pedir algo para si…
Mas o João tinha muita dificuldade em dar nome às emoções que sentia, porque achava ele, que os deuses se zangam muito uns com os outros e que muitos adultos lhes eram devotos, mesmo em silêncio…

segunda-feira, 2 de julho de 2007

GÉNESE DE CÁ


A terra cá é quase sempre árida.
Mas nem sempre da cor dos homens de angustia disfarçada, por não terem modos de afastar a ideia do presente dessa aridez e nada mais que o presente…
A terra percorre sazonalmente a solidão dos homens desta terra, que não tendo a mesma cor dessa aridez, disfarçam a angustia e tentam palavrear coisas ao acaso, em surdina, com embaraço, desde que a terra os não oiça e as pessoas também não…
Os homens da minha terra dizem tão pouco e acreditam tanto, que por isso mesmo não têm a cor da aridez da nossa terra, nem esperam que sejam realizados os sonhos que pensam terem sido palavras proferidas por si.
Não!...Não dissemos nada disso!...
Acreditar, acreditam…mas nunca disseram que queriam ter uma terra diferente.
Sabe-se lá o que daí adviria, por gostarem tanto daquilo em que acreditam…
Não!!...Não sentimos nada…mas lá que acreditamos, acreditamos
E os homens da minha terra, repetem esse presente, por se sentirem traídos por sentimentos que venham alterar a rotina do pensamento.