sábado, 29 de março de 2008

MAS SENTE-SE A LIBERDADE NA CIDADE



Gente mais nova impõe-se naturalmente e gente que vai envelhecendo assiste pouco interessada à mudança das mentalidades.

Os adultos pronunciam-se sobre o facto ocorrido entre uma aluna e uma professora, chamando às coisas ocorridas, nomes que as coisas não deverão ter.

Uma jovem de 15 anos é inimputável para uns e imputável para outros, em versão jurídica, pelo facto de reivindicar para si o seu telemóvel, que apesar de utilizado inadvertidamente na sala de aula, não deixa de ser seu.
Fora-lhe retirado pela professora, que ignora conter aquele telemovel, um mundo que não é seu, mas sim o de uma jovem de 15 anos que vive ainda um pequeno mundo.

A professora tem 60 anos e é imputável no acto de retirar o telemóvel à aluna, que o usara inadvertidamente.

Sem que as questões relacionadas com o sistema social, económico, político e até educativo do país onde isto aconteceu, para aqui sejam chamadas, parece de elementar justiça, considerar chocante, a insistência de uma professora de 60 anos, numa sala de aula, querer com todas as suas forças e experiência de vida, retirar a uma jovem de 15 anos, o telemóvel, cantinho de emoções, tentações, esperanças, segredos e memórias recentes.
Cantinho esse tão útil (senão indispensável) para o seu relacionamento com os colegas, amigos, professores e pais.

Deveria então perceber-se a energia da aluna na defesa do seu espaço de segredos contidos no seu telemóvel. Ali, ela terá o que para si significará o seu mundo de fantasia e mistérios. Está ali princípio da sua vida e a tradução do que entende ser o seu percurso, mais ou menos definido, até onde mais ou menos tiver possibilidades de se dirigir.

Esta professora deveria questionar-se sobre o seu papel enquanto educadora e que tem 60 anos. Que fez uma figura ridícula ao confrontar-se daquela forma com uma aluna de 15 anos.

Esta professora não deveria continuar a sua acção educativa. Deveria desistir da sua actividade, porque a lição que deu não contribuiu de forma nenhuma para ajudar a aluna a alterar procedimentos menos correctos na sala de aula, contribuindo pelo contrário, para confundir uma jovem que até aqui está no seu percurso natural de descoberta de todas as verdades

Que se calem os sofistas dos dias de hoje…

sexta-feira, 21 de março de 2008

FRUTO DO SEQUEIRO


Sou fruto do tempo da pedra da calçada
Onde se fez monda e se inventou emoção
Onde rostos escondidos de tez cansada
Subiam rampas até onde ia o coração

Sou filho do vento, que à abrigada era suão
Onde a água da bilha fresca, era o alimento
Onde os ventres escondiam o eterno perdão
De mães eternas, ternas e de grande talento

Sou o que sobe a calçada e que se sobe quente
Onde um dia caminharei, numa tarde amarela
Onde se ouvirão vozes sem passado crente
Exclamar aquela vida, feita a morte dela

quinta-feira, 20 de março de 2008

A CIDADE DESFAZ-SE


Nunca houve uma tradição de ocupação do espaço intra-urbano, por parte de quem vinha para a cidade de Évora em tempos de maior êxodo.
As pessoas provenientes do campo, deixavam os montes e as aldeias e dirigiam-se para as zonas limítrofes da cidade.
Aí se edificavam bairros clandestinos, que passaram a semi-clandestinos, até que foram legalizados, constituindo-se uma cultura extra-urbana muito característica, com hábitos enraizados ligados à vida do campo.
A cidade intra-muros no seu desgaste natural, ia-se dedicando a festejos mais ou menos periódicos, chamando a si os habitantes dos bairros que a cercavam. Eram as feiras, as procissões os sermões e poucas canções.
Nas ruas desta cidade foi vivendo gente que forçava a sua existência, escondendo de geração em geração a ausência de sanitários nas suas habitações, onde as cozinhas eram escuras e os quartos obscuros, onde o sol era ausente e o mobiliário exíguo e suficiente apenas para que se pudesse exibir a toalha de mesa e alguma bandeja de prata sem serventia.
Portas dentro parecia ninguém existir.
Os senhorios vinham de fora. Faziam grande alarde e eram conhecidos como parte integrante daquelas casas de caliça disfarçada com cal, quantas vezes…e que se negavam a recuperar.
E que interessante era conhecer a história dos senhorios das casas velhas das ruas velhas de Évora…
Também as prostitutas eram inquilinas e asseadas nos seus mesteres, não deixando ver por fora o que se passava por dentro.

Excepção feita a casas que deixavam transparecer a sua diferença. Essas pertenciam a uma freguesia com o nome de S. Pedro, o padroeiro da cidade e talvez por isso nunca tenha sido festejado como foi o S.João.
Era a freguesia dos senhores da cidade, que normalmente encabeçavam as procissões ao som das matracas da noite.
Sufocava-se na cidade de segredos insondáveis…e as pessoas foram saindo, saindo….

Hoje quer-se uma cidade nova…

Acusam-se os governantes da mesma pelo que nela se passou. Tarde demais.
O rei ia nu e deixaram-no passar…

segunda-feira, 17 de março de 2008

TERNURA DE SER ALENTEJANO


O dia vai a meio e é natural que o pessoal esteja a almoçar. –Pensei.
Enquanto me aproximava já a pé do local onde iria comprar os arbustos que a primavera obriga a plantar, ouvi vozes alegres, que se cruzavam sem sentido como se o alvo de todas as atenções fosse algo que não a própria conversa.
Um homem, vindo de perto e com ar de capataz enchera-se de brios e viera ter comigo perguntando-me o que desejava. O restante pessoal estava a almoçar.
Percebi que naquele lugar, o cargo de chefe obrigava a um almoço mais recatado, distante dos restantes, e apressado, não fosse alguém, mesmo instruído do dever de não entrar no escritório improvisado daquele centro de jardinagem , entrar por ele a dentro fazendo-se confundir com o verdadeiro responsável..
Sou atendido pelo homem de boné que em conjunto com os óculos escurecidos, não deixava ver metade da cara, dizendo-lhe eu então ao que ia.Seguiu-se a resposta:
-Eu estou na minha hora de almoço, mas o senhor se quiser, vai ali comigo, que eu vou ali consigo e escolhe as plantas que quer. Tá claro!…não as pode levar agora porque estamos na hora de almoço, tá a perceber?
-Estou estou…mas se a hora de almoço é entre as 12 e as 13 horas, e se são 12,30h e se o senhor me vai mostrar as plantas, se calhar até as posso levar já, não?…
-Não senhor…é que temos que fazer as contas e essas coisas todas e isso leva o seu tempo, tá a perceber?
-Mas eu só queria 3 plantas…
-Pois é, mas o senhor vem cá depois das 13h e a gente revolve logo isso tudo. Posso-lhe é ir já mostrar as que quer, e dizer o preço e essa coisa toda, tá a perceber?
-Estou, estou…mas se as vai mostrar e dizer o preço só falta metê-las no carro e pagá-las, não é verdade?
-Sim senhor…ou então, o senhor vem cá logo até às 16h. Mas tem que vir antes aí uns ¾ de hora.
-Mas se eu as escolher já, posso vir mais perto das 16h, porque nessa altura é só metê-las no carro e pagar não é?
-Pois aí é que está…o senhor compreende. É que se vier perto das 16h é muito apertado, porque imagine que tenho um compromisso às 16, 15h suponhamos, com um serviço meu lá fora…Preparar-me, arrumar o material, orientar o pessoal, sair daqui e ir ter com a criatura, está a ver…E se uma pessoa chega atrasado? Pois aí é que está!…
-Então o senhor acha então que a melhor hora será às 15h. é isso?
-Sim senhor faça o favor!…Tal e qual.
-Então, cá estarei às 15 h, e escolho-as então. Até logo…
-O senhor é que sabe, mas se quiser eu vou já mostrar para o senhor ver…

Ainda ouvi um -Até logo- sumido, tinha já transposto o portão e pensei que nada do que estava a acontecer era novo para mim. Tanto mais que no portão estava bem visível o horário do funcionamento do local de venda de plantas para a primavera antecipada: 8.00h-12.00h e 13.00-16.00h.
Ainda assim, fiquei preocupado com a possibilidade de trazer os arbustos, dentro do período de almoço.
Ainda bem que tal não aconteceu…

sexta-feira, 14 de março de 2008

O QUE SERÁ ISTO UM DIA...


Mas que tentação falar dos políticos…
Tentarei ser pouco claro no que directamente lhes diga respeito, antes fazendo equivaler a minha abordagem à incapacidade de nos relacionarmos com eles ,ou eles connosco.

Felizmente que alguém se lembrou de colocar no mesmo cenário, políticos e humoristas, parece-me a mim, com a intenção de confundir a acção dos primeiros com o efeito da acção dos segundos.

De facto rir atenua muito a dor, o sentimento de perda, mesmo a fome…

Mas é giríssimo ver até onde vão os humoristas nas suas incursões pela política.
Não muito mais do que a colocação de um bigode postiço, ou mesmo uma cabeleira excessivamente penteada, coloca os políticos a nu.

A incompetente forma de amar o povo faz a génese do político português.

A subordinação dos instrumentos de insubordinação duma sociedade, à espécie governativa, cria um mal estar que não há poema que apague.

Os poetas precisam de ser motivados mas não tanto…

(Quis fazer um poema, mas faltou-me a ode… e acho que pela causa narrada)

quinta-feira, 6 de março de 2008

OCEANO DIFUSO


Emirjo quando me sou movido a afogar
Sem saber porquê, apenas por instinto
Só porque é da natureza transformar,
Situar-me apenas no que sinto

Saber o que pinto ou que penso
É assim estranho para mim, crente,
Serei o instinto ou o momento tenso
Com sede de querer sentir a gente


Creio no que vejo e não nos sonhos
Vindo de mim, assim será prudente
Vivo até os momentos tristonhos
Como se padecesse de amor ardente

Natureza minha, doce mãe adoptiva
Seguir-te-ei até ao infinito do mar
Adormece-me um dia, quando emotiva
Nos teus braços se me vires um dia chorar