quarta-feira, 20 de junho de 2007

EXTENSA HOMENAGEM


O João sentiu que fazia uma cara séria, mas não tinha a percepção do riso amarelo que esboçava ao colocarem-lhe um laço azul ao pescoço.
Estava sério. Era este o seu estado de espírito, nos momentos que antecediam a partida para a escola.
A ida para a escola naquele dia não incluía o bibe, por cima da roupa velha mas lavada de cheiro a sabão, sol e mãos da mãe, que habitualmente vestia. Nem as botas cardadas que eram pesadas, mas necessárias para acompanhar o crescimento.
A ida para a escola naquele dia exigia um esforço, que mobilizava quase toda a família, no investimento feito para a saída do João de casa naquela manhã.
Além do laço azul, que compunha uma camisa branca, vestia uns calções até ao joelho e um casaco à homenzinho..Os sapatos eram pretos e os soquetes que se prolongavam até meio da perna eram brancos como era de moda
A mão e a avó compunham-no, aproximando-se para aconchegar as várias peças de roupa, ou afastando-se para à distância observar o seu arranjo.
-Meu rico menino…coisinha mais linda da sua avó!....Vá! Põe-te lá de pé e vai lá ali ao corredor até à cozinha para a mãe ver como estás bonito…
O João deu uns passos até à cozinha e sentiu a dificuldade em mover os dedos dos pés ou não tivessem os sapatos de sola de couro, permanecido na caixa até àquele dia.
O sorriso alargou-se entre todos, e o João sentiu que se aproximava a hora de se juntar aos outros miúdos do bairro, que com certeza estariam igualmente vestidos a preceito para em conjunto se fazerem à azinhaga que dava acesso à escola.
Tratando-se de uma manhã de verão, embora já abrasadora, escolheriam um percurso sombrio e menos poeirento afim de evitarem o pó. Todavia as sombras eram poucas e o pó muito.
Enquanto foi visível o sorriso e a silhueta da mãe e da avó, entre portas, o João lá acompanhou os amigos e colegas, virando-se para trás, acenando até onde a goma da roupa nova permitia.
Chegaram à escola.
O padre Cristóvão estava atento à chegada dos rapazes e criteriosamente dava indicações para o posicionamento de cada um deles, em espaços que todos conheciam no átrio.
Formaram-se filas de dois, em que os mais baixos assumiam as posições dianteiras.
O João ocupava regularmente a última posição tendo a seu lado o Tobias. Desta vez não seria este o seu companheiro naquele posto, porque só os mais preparados iriam iniciar a caminhada cidade dentro. O Eduardo, seria o seu parceiro de marcha.
A distância até à Escola oficial do Rossio, seria de 3 km e seria lá que estes rapazes iriam realizar o exame final da 4ª classe.
O percurso incluía a passagem pelo centro da cidade, o que levava à paragem dos cidadãos comuns à passagem do grupo ordeiro e perfilado, que silenciosamente se encaminhava para a prestação de provas.
As pessoas paravam e sorriam, deixando visível o seu gesto de agrado e louvor pela postura concentrada dos rapazes da Escola dos Padres.
Eles sabiam que iam ser, ente todas as escolas a prestar aquela prova, os melhores de entre todos os alunos do concelho.
O João, sabia-o. O Eduardo, o Tobias, o Ernesto ou o Joaquim sabiam-no também.
Na mão levavam uma pasta com a caneta de tinta permanente, o esquadro, a régua, o compasso, os lápis nº 1 e nº 2, as borrachas e uma santinha.
Chegados à Escola do Rossio, o Padre Cristóvão, indicava-lhes a posição a ocupar para o desempenho.
A prova começava e todos tinham que responder correctamente a todas as perguntas, por isso estavam ali e por isso tinham merecido a confiança que dignificasse os Salesianos. Por isso o Tobias não tinha sido o parceiro do João naquela caminhada.

O som que indicava o termo da prova fazia-se ouvir e antes disso já todos estavam prontos para entregar a mesma.
Dever cumprido, o regresso era feito ladeando o padre Cristóvão, que em amena cavaqueira, brincava com os seus alunos, quando algum deles lhe suplicava a confirmação da aplicação da virgula antes ou depois de…
A goma da camisa dava lugar ao ar fresco que o João passava a sentir, apesar dos 40 graus à sombra pelas 12,30 horas.
O Padre Cristóvão, sempre coberto pela batina negra, não se queixava do calor e todos o conheciam sempre igual. O rigor era o seu lema.
Em casa aguardavam todos o João para o almoço sem euforias. Até o pai, por quem todos esperavam para se iniciarem as refeições, em dias de perfeita normalidade.
Tudo se passava como se nada se tivesse passado. As mulheres da casa não escondiam um sorriso de alegria visível sobretudo no olhar quando contemplavam o João.
Ninguém estava em condições de admitir que aquele esforço resultasse em vão, por isso mesmo, tudo era uma perfeita normalidade.
O João não fizera mais que a sua obrigação.
A roupa nova voltaria ao guarda fato depois de lavada, os sapatos novos também até que viesse a noite da feira de S. João dias depois.
O João, enquanto a tarde soalheira se combinava com as cigarras, ligava o rádio e ouvia as novelas da Maria Madalena Patacho. Eram histórias de cinco jovens que tinham um cão e que viviam arrojadas aventuras, onde acabava quase sempre tudo bem….
Logo mais iria jogar à bola com os amigos do bairro, a horas em que as vacas do Gimbrinha passassem a caminho do Chafariz das Bravas.
Podia ser que vissem um escaravelho entre as bostas já ressequidas das vacas…

Um comentário:

Anônimo disse...

Emo sr. Canseiroso (mas que raio de nome) que o senhor é um grande poeta, já se sabe, mas esta sua prosa salesiana, o néorealismo transborda, mas isso não quer dizer que esteja fora de moda, e digo mais, as cagadelas literarias que hoje em dia se publicam são de uma qualidade deplorante (a maior parte) o senhor continua-me a surpreender. A qualidade é de dar beijinhos se o senhor nunca publicou um livro porque não o fáz agora?!. Mãos ao trabalho e publique, e eu espero.