sexta-feira, 18 de abril de 2008

A INTERVENÇÃO NA CIDADE QUE É ÉVORA


Évora é uma cidade com rosto triste insinuando a espera da luz, quando o cinzento dos dias cinzentos lhe dá o sossego que parece ter nascido com ela.
Mas Évora tem também um rosto triste, quando o sol desponta do lado que é sempre esperado sem que isso seja novidade, sem vontade de se lhe aliar para fazer dos dias, dias diferentes.
Évora tem maioritáriamente homens que pretendem inocentemente ser diferentes dos outros homens.

E estes homens, tentam exercer a política que sentem ser ao serviço da cidade e das pessoas que a habitam.

Mas os homens de Évora, que querem ser políticos ao serviço da cidade em que nasceram ou adoptaram, esmorecem encostados a uma espécie de magia que sendo magia e como tal coisa esperançosa, é ao mesmo tempo coisa desastrosa, por Évora não ser uma cidade de políticos.
Évora é conservadora, não aceita a inovação sem que ela seja obra que justifique a mudança.
A destruição do que ela de facto é, será coisa sofrida se for para ser diferente de si.
A mudança tem que ser sofrida, porque ela é bela e indestrutível e como tal intocável a partir do coração dos seus cidadãos.
A obra que se diz ter que ser feita, tem que ser feita, porque o sofrimento já começou.
Que se faça a obra porque o sofrimento já começou.

domingo, 13 de abril de 2008

...E DE COMER!...


«Ao anoitecer, dá-se a ceia.. O abegão ou o sota, senão os dois, põem a mesa, vasam a olha da asada para os alguidares, separam a boia (quando a há) e conduzem a comida ao seu destino. Depois um deles sai à rua e grita:
- À Ceia!…
Grito forte, que se ouve distintamente.. Fraco que fosse, ouvir-se-ia também, atenta a impaciência com que os ganhões o aguardam. Mal pois o ouvem. todos entram no monte, todos se descobrem e todos se sentam à mesa nos lugares habituais.. Como de costume, o abegão preside, sentado à cabeceira.
Primeiro, migam-se as sopas sobre o caldo da olha. Tantas quantas possam ficar embebidas. Feito isso, o «governo» profere a invocação do: - «Com Jesus!» - e a ganharia passa a comer vagarosamente, com o silêncio e ordem que notei ao tratar do almoço.
Quando todos deixam de comer os legumes ou a couve, o abegão - se o dia é «de carne» -puxa a si a palangana do toucinho e parte a boia em tantas rações iguais quantos são os homens. E oferece-lha para que a comam em seguida, ou a guardem como entendam, para a comerem quando queiram.»

domingo, 6 de abril de 2008

OS PORCOS E OS MENINOS


Saímos de casa e tivemos que tornear todo o bairro até chegarmos ao primeiro montado onde o verde era já comovedor pela sua aliança com a água de nascente, cujo rasto seguíamos.
Aquele verde convidava-nos a andar entre troncos despidos, que mostravam a sua nudez castanha, sinal de fresquidão da sua madeira, de onde recentemente tinha sido extraída a cortiça.
Chapinhávamos enquanto andávamos na água encoberta parcialmente pelas ervas que compunham aquele montado, onde porcos pretos construíam a lama, na descoberta de bolotas e de raízes que fossavam até trincarem com voracidade, entre brigas decididas sempre pelos varrascos.
O tempo era húmido entre o arvoredo e possibilitava algum desnorte, quando a planície era a nossa referência.
O montado atraiçoara-nos e descalços, procurávamos uma saída dele, enquanto o dia esmorecia dando lugar à penumbra que envolvia uma espécie de trovoada.
Estávamos perdidos e uma estrada alcatroada, seria a forma de nos encaminharmos para casa com um saco de bolotas às costas. Talvez assim o nosso pai não nos batesse….
A trovoada estalou poucos segundos antes de uma saraivada nos começar a encharcar, quando já não conseguíamos distinguir as landes das doces, tal era a dificuldade em permanecermos atentos aos sobreiros ou às azinheiras, que quando o montado se tornava menos denso se confundiam e se misturavam alargando o espaço da nossa confusão.
Anoitecera. Mas adiante, em fuga dos últimos gigantes amovíveis de amplas copas e descanso da chuva impiedosa, surgia um espaço reluzente que nos dava a percepção de uma estrada das de alcatrão.
O medo dera lugar aos gritos e sorrisos de glória, sem que ainda tivéssemos percebido o caminho a percorrer estrada fora, com o peso da justificação da nossa ausência em casa, às costas.
Eu e o meu irmão do meio, colocámos entre nós o nosso companheiro de aventura, mas o forte dele era mesmo as brincadeiras de cowboys, que quantas vezes nos levavam a distâncias superiores às nossas idades , na procura dos índios apaches, quase sempre.
O Billy The Kid lá do bairro chorava desalmadamente, enquanto caminhávamos ensopados e apressados e isso foi razão para lhe aliviarmos o saco de bolotas, distribuindo a carga pelos nossos.
Tínhamos entrado então na estrada de Arraiolos bem perto do cruzamento da Valeira e restava-nos 10 kilómetros até chegarmos a Évora.
Passados 5 deles, a cidade surge ao longe pela insinuação da sua iluminação.
Os nossos pais estariam invariavelmente como estavam sempre que as nossas aventuras excediam os limites de ténues fronteiras que algumas vezes nos eram impostas ,mas nunca cumpridas e sabe-se lá porquê…
O pai enfurecido esperava-nos de cinto na mão, a mesa posta para o jantar, assumido só depois da autorização do dono da casa.. A mãe com a mão na boca, fazia apelos aos santos da sua devoção, aguardando na retaguarda de todos os acontecimentos de pacificação demorada de tudo que estaria para acontecer.
Tal como Egas Moniz disponibilizou os filhos para que o castigo acontecesse, eu e o meu irmão, tentámos expor os sacos de bolotas, sem que o tempo ou a fúria instituída permitisse explicações, pois o cinto começava a marcar-nos nas pernas semi envoltas nos calções agarrados aos suspensórios.
Não me lembro o que aconteceu às bolotas, nem me recordo se eram todas doces.
Recordo-me apenas desta história

sexta-feira, 4 de abril de 2008

E...o poema quase se repete


Sou o que subia a calçada e que subia quente

Hoje nela caminho, numa tarde amarela

Ainda oiço vozes, sem passado crente

Que reclamam uma vida, feito nada por ela

UNICIDADE OU UNIDADE


A minha cidade está a engalanar-se.

Parece-se com aqueles domingos de futebol em que o Lusitano jogava na primeira divisão.

Está cheia de gente gira e colorida. Vem gente de fora. Procura fixar-se cá e já descobriu os lugares de discussão das coisas da cidade e neles participa, engalanando-a melhor ainda.

Lembro-me nos meus 4 ou 5 anos, em que os domingos em que o Sporting ou o Benfica ou mesmo o Belenenses, vinham jogar a Évora com o Lusitano, as gentes ficavam diferentes.

As mulheres pegavam nos filhos pequenos e dirigiam-se para a mata do Jardim e daí, sobre a muralha, assistiam à passagem dos homens, que entre as 14:00h e as 15:00h, se dirigiam em grupos ao campo de futebol, que ficava na estrada das Alcáçovas.

O Jogo decorria e ouvia-se de quando em quando, um grande alvoroço, que sobrava no redor do campo de futebol, que fazia palpitar os corações, não importando tão pouco de quem tinha sido o golo.

Também hoje, se faz alvoroço e se agigantam gargantas em defesa, inocentemente como no tempo do Eusébio e do Matateu, do que se considera ser uma grande festa.

Procura-se algum protagonismo, mas sobretudo um grande entusiasmo por se viver em liberdade, numa terra que foi sempre humilde e ingénua nas suas manifestações.

Não importava quem ganhasse. O importante era saber-se que gente de fora vinha à nossa cidade. Que aqui procuravam comer o borrego e que traziam sorrisos, muitos sorrisos.

Nesses sorrisos todos tínhamos partilha, porque o retribuíamos sem saber porquê e ficávamos a pensar:

Como seria a vida em Lisboa…O perigo que representava passar o rio Tejo sobre a ponte de Vila Franca de Xira… Como estaria a tal tia rica que morava para os lados da Praça do Chile…

Agora não. Parece que está tudo aqui.

Tantas bandeiras verdes , ou azuis ou encarnadas…

Como se empolgava o Vital na baliza, ou o Mitó na defesa ou mesmo o Zé Pedro no ataque…

Mas sabíamos que estes eram afinal gente da terra. Pobres como nós. Seria um proeza ganhar a qualquer daquelas equipas.

E quantas vezes empatámos, estando tão perto da vitória…

Hoje empolga-se esta cultura.

As gentes que são da terra, procuram unir-se às gentes de fora.

Está difícil a unidade que muitos confundem com unicidade. E o povo desconfia.

Mas nota-se o esforço da cidade em querer engalanar-se.

Que vença a unidade, mesmo que empatemos.