
A noite era já instalada e Eugénio começava a insinuar a sua ausência de lucidez, mal sentia o pai chegar do trabalho.
Até aí, no seu silêncio e junto de sua mãe que o olhava continuamente com ternura, prostrava-se consciente dos seus medos até, no que de mais terrível pudesse vir a acontecer-lhe, andava pelos 12 anos de idade.
O Eugénio estava a ser um rapaz grande e curvado para a idade. Os lábios eram excessivamente carnudos, e o inferior descaía embalado pela inércia de todo o corpo.
-Eugénio, vai lá à Dona Vicência buscar uma quarta de sabão azul e depois passas pela drogaria e trazes esta garrafa de petróleo, mas cuidado não deixes cair.
-Tá bem!...- soava uma espécie de grunhido que a sua mãe entendia na perfeição
A expressão do Eugénio alterava-se conforme as circunstâncias. A oralidade era marcadamente inexpressiva, com uma sonoridade disforme quando se revelava mais inquieto com situações que ele não conseguia explicar, mas com certeza conseguia sentir.
Sua mãe conseguia perceber-lhe todas as mudanças de humor e por isso mesmo mantinha sempre para com ele uma serenidade e compreensão que procurava atenuar os momentos de maior dúvida, sobre a veracidade daquilo que seria uma oligofrenia ligeira.
O pai, sucateiro distante o dia todo, era recebido sacramentalmente pelo filho que se agarrava ao seu braço de ferro, como se de um tronco precisasse para se defender da avalanche que o remetia para uma foz de medo e insegurança.
-Agarra lá aqui o rapaz!...- e era a ausência pensada da lucidez que se instalava no semblante do Eugénio, vivida num ambiente hostil.
Ambiente de Deus, Pátria e Família, que constituíam a trilogia estranha, de crescimento das espécies seleccionadas à nascença, pela raça e pela crença no regime paternalista, idealizado à imagem do ditador.
Tal como era próprio do Alentejo corporativista e conservador nos usos e costumes. As famílias nele vividas, assim eram paridas, sem fé, mas com grande fervor na aceitação do sofrimento.
Hoje o Eugénio não tem pai nem mãe, nem sabe se houve revolução.
O seu corpo sofreu alterações, mas dizem que continua com uma oligofrenia ligeira, que lhe permite escrever cartas a mulheres de ninguém.
Essas mulheres encontram nos anúncios do jornal regional, que o Eugénio pede que se publiquem mediante pagamento, uma esperança de retorno das suas vidas.
O Eugénio por outro lado não quer o retorno. Procura avançar no caminho das estrelas de que continua a não falar, mas que se sente estarem no seu desejo de ser um dia alguém ainda reconhecidamente imputável nos seus actos de procura de amor.
Não evoluiu para o mundo virtual das relações escondidas. Procura prostitutas e drogados como forma de se fazer entender no seio da normalidade cada vez mais perto do seu entendimento e que ele reconhece estar mais perto do entendimento dos outros.
Vive de uma pensão de sobrevivência e do apoio de instituições de caridade.
Aprendeu a mentir, esboça palavras de solidariedade procurando evidenciar a sua má sorte e fá-lo com tanta certeza de não falhar nos interlocutores que só é ouvido por esses. Por aqueles que o ouvem.
O Eugénio apaixonou-se.
Em sua casa alberga o seu grande amor de quando em vez. Aceita também o namorado do seu grande amor. Alguns imigrantes desprovidos de meios também por lá dormem e festejam a desarmonia dos incautos.
Alguém dirá que desajeitadamente se drogam e embebedam, acordam vizinhos e estilhaçam vidros na folia que ninguém, nem polícias se atrevem a perturbar.
O Eugénio e os seus companheiros nunca saberão que se ama e odeia tanto no silêncio dos inocentes. Os seus olhos assustados quando encontram os dos outros, quase que confessam os seus desajustes sociais, mas o Eugénio não deixa.
É ele que define as estratégias. É ele que abastece a sua casa para os festins com os seus amigos. O tempo corrói cada tempo que vivem, porque esperam sempre o tempo que há-de vir.
O Eugénio já não escreve cartas de amor. Prefere que lhe chamem mendigo e acompanha o seu amor por toda a cidade.
Um dia alguém se enganou e encaminharam-no compulsivamente para um hospital psiquiátrico. O psiquiatra absolveu-o de tal demência.
As noites para o Eugénio já são iguais aos dias. Acha que atingiu a plenitude da sua lucidez.
Até aí, no seu silêncio e junto de sua mãe que o olhava continuamente com ternura, prostrava-se consciente dos seus medos até, no que de mais terrível pudesse vir a acontecer-lhe, andava pelos 12 anos de idade.
O Eugénio estava a ser um rapaz grande e curvado para a idade. Os lábios eram excessivamente carnudos, e o inferior descaía embalado pela inércia de todo o corpo.
-Eugénio, vai lá à Dona Vicência buscar uma quarta de sabão azul e depois passas pela drogaria e trazes esta garrafa de petróleo, mas cuidado não deixes cair.
-Tá bem!...- soava uma espécie de grunhido que a sua mãe entendia na perfeição
A expressão do Eugénio alterava-se conforme as circunstâncias. A oralidade era marcadamente inexpressiva, com uma sonoridade disforme quando se revelava mais inquieto com situações que ele não conseguia explicar, mas com certeza conseguia sentir.
Sua mãe conseguia perceber-lhe todas as mudanças de humor e por isso mesmo mantinha sempre para com ele uma serenidade e compreensão que procurava atenuar os momentos de maior dúvida, sobre a veracidade daquilo que seria uma oligofrenia ligeira.
O pai, sucateiro distante o dia todo, era recebido sacramentalmente pelo filho que se agarrava ao seu braço de ferro, como se de um tronco precisasse para se defender da avalanche que o remetia para uma foz de medo e insegurança.
-Agarra lá aqui o rapaz!...- e era a ausência pensada da lucidez que se instalava no semblante do Eugénio, vivida num ambiente hostil.
Ambiente de Deus, Pátria e Família, que constituíam a trilogia estranha, de crescimento das espécies seleccionadas à nascença, pela raça e pela crença no regime paternalista, idealizado à imagem do ditador.
Tal como era próprio do Alentejo corporativista e conservador nos usos e costumes. As famílias nele vividas, assim eram paridas, sem fé, mas com grande fervor na aceitação do sofrimento.
Hoje o Eugénio não tem pai nem mãe, nem sabe se houve revolução.
O seu corpo sofreu alterações, mas dizem que continua com uma oligofrenia ligeira, que lhe permite escrever cartas a mulheres de ninguém.
Essas mulheres encontram nos anúncios do jornal regional, que o Eugénio pede que se publiquem mediante pagamento, uma esperança de retorno das suas vidas.
O Eugénio por outro lado não quer o retorno. Procura avançar no caminho das estrelas de que continua a não falar, mas que se sente estarem no seu desejo de ser um dia alguém ainda reconhecidamente imputável nos seus actos de procura de amor.
Não evoluiu para o mundo virtual das relações escondidas. Procura prostitutas e drogados como forma de se fazer entender no seio da normalidade cada vez mais perto do seu entendimento e que ele reconhece estar mais perto do entendimento dos outros.
Vive de uma pensão de sobrevivência e do apoio de instituições de caridade.
Aprendeu a mentir, esboça palavras de solidariedade procurando evidenciar a sua má sorte e fá-lo com tanta certeza de não falhar nos interlocutores que só é ouvido por esses. Por aqueles que o ouvem.
O Eugénio apaixonou-se.
Em sua casa alberga o seu grande amor de quando em vez. Aceita também o namorado do seu grande amor. Alguns imigrantes desprovidos de meios também por lá dormem e festejam a desarmonia dos incautos.
Alguém dirá que desajeitadamente se drogam e embebedam, acordam vizinhos e estilhaçam vidros na folia que ninguém, nem polícias se atrevem a perturbar.
O Eugénio e os seus companheiros nunca saberão que se ama e odeia tanto no silêncio dos inocentes. Os seus olhos assustados quando encontram os dos outros, quase que confessam os seus desajustes sociais, mas o Eugénio não deixa.
É ele que define as estratégias. É ele que abastece a sua casa para os festins com os seus amigos. O tempo corrói cada tempo que vivem, porque esperam sempre o tempo que há-de vir.
O Eugénio já não escreve cartas de amor. Prefere que lhe chamem mendigo e acompanha o seu amor por toda a cidade.
Um dia alguém se enganou e encaminharam-no compulsivamente para um hospital psiquiátrico. O psiquiatra absolveu-o de tal demência.
As noites para o Eugénio já são iguais aos dias. Acha que atingiu a plenitude da sua lucidez.