quarta-feira, 30 de maio de 2007


O Vento Suão

Era um maltês de meter medo, sobretudo aos cães, que ao ladrarem a tudo que raramente passasse em redor do monte, o faziam a ele, abanando o rabo ou mesmo enconhendo as orelhas…
Mas o maltês era também mentiroso e apesar de semi-descalço não se inibia de, com grande vagar, coragem e astúcia, afastando-se do latir dos cães, ajeitando a albarda que trazia ao ombro, caminhando pela rua do monte, travar conversa com o abegão que atarefado e ignorando-o ou fugindo dele, lá ía ouvindo:
- Ò Gervásio!...atão já nã me conheces?
Este, meio curvado, caminhando apressadamente e esbracejando como se uma parelha fosse atrelar, na diagonal em relação ao maltês, e olhando-o de soslaio lá ía dizendo:
-Vô ver aqui do fêtori, porque o sr. engenhêro, vem amanhãei…mas queres algum bocado de pão ò quêi? Põe-te mas é daqui a andari nã venha prái a guarda!
-Nã quero cá pão nenhum! «Cria» é que soubesses, ca tu tia joquina foi uma grande melher coitadita, nã fosse o lavrador e inda hoje fazia aí a comida no monte pró pessoal da aceifa…mas nã senhori…logo teve que se ir meter debáxo daquele fáxista.
Agora onde tu tás podia tar eu, fica sabendo, mas logo o cabrão a tinha que levar prá aldeia prá pôr por conta!...
-Nã fales assim da tu mãe homem…quela coitadita nã teve culpa do tê pai ter morrido novo com o bicho…
Entretanto o Gervásio abegão, segurava já a ombreira da porta do feitor, com um pé no poial sobranceiro em relação ao maltês de cara mascarrada pelo sol e pelas fugas ao passado, que dizia ser o destino.
Numa espécie de suspiro, o abegão, puxara o boné para trás, expondo a parte esbranquiçada do início da calvície, olhando ao mesmo tempo o primo que se encontrava distante de si três metros, hirto como uma estátua, de cajado na mão direita, albarda ao ombro, segura com a esquerda, como que a esperar uma qualquer novidade vinda de quem considerava ainda parente.
Os olhos do maltês eram visíveis, mais pelo brilho que se observava na sombra da aba do chapéu roto, que o protegia do calor tórrido que se fazia sentir na rua do monte.
Era mais uma esperança e quem sabe uma oportunidade, para fugir do latir dos cães e da guarda e que ele sabia ser muito ténue, em relação a outras esperanças já moribundas de se regenerar , pelos mais de vinte anos de negação dos outros, pelo que de si não conhecia.
Olharam-se e sentiu-se um breve silêncio comovedor, sem todavia ser denunciada essa fragilidade entre homens iguais com caminhos diferentes, traçados pelo destino que o maltês previra…E ele que sempre previa tudo, mesmo na dúvida da certeza das coisas e por isso lhe chamavam aldrabão e vadio.
E antes que o Gervásio pudesse dizer alguma coisa, o maltês, lentamente como era seu timbre, inclinava o corpo hirto para a sua esquerda e iniciava uma nova caminhada, agora na direcção da saída do casario, para o lado do vento suão, porque o fim da tarde seria boa conselheira na brisa que embora quente, o iria manter na mesma solidão e na sombra dos que são…

Introdução


Tornava-se imperativo criar um novo espaço de debate sobre tudo e sobre nada, que resultasse em coisa nenhuma, desde que a partir de um local sombrio, que, como quase todos os locais à semelhança de Évora, precisam de sol.

Dir-me-ão: -Olha este...Évora sombria a precisar de sol? Deve ser é ao contrário...ou seja, Évora solarenga a precisar de sombra!...

Direi eu: Está bem pronto...se é isso que querem quem sou eu para me opôr?


Percebem?

O objectivo é esse mesmo, ou seja, descobrir o contraditório, inventá-lo até, e se possível, fingir que não se passou nada nas vossas cabeças...o que digo em abono da verdade seria muito grave.


Por isso mesmo, e porque o verão está aí, não custa nada ser imaginativo.

Dispam-se.

Meçam a temperatura do vosso corpo e sobretudo não esqueçam de medir a da vossa compartimentada cabeça.