domingo, 6 de abril de 2008

OS PORCOS E OS MENINOS


Saímos de casa e tivemos que tornear todo o bairro até chegarmos ao primeiro montado onde o verde era já comovedor pela sua aliança com a água de nascente, cujo rasto seguíamos.
Aquele verde convidava-nos a andar entre troncos despidos, que mostravam a sua nudez castanha, sinal de fresquidão da sua madeira, de onde recentemente tinha sido extraída a cortiça.
Chapinhávamos enquanto andávamos na água encoberta parcialmente pelas ervas que compunham aquele montado, onde porcos pretos construíam a lama, na descoberta de bolotas e de raízes que fossavam até trincarem com voracidade, entre brigas decididas sempre pelos varrascos.
O tempo era húmido entre o arvoredo e possibilitava algum desnorte, quando a planície era a nossa referência.
O montado atraiçoara-nos e descalços, procurávamos uma saída dele, enquanto o dia esmorecia dando lugar à penumbra que envolvia uma espécie de trovoada.
Estávamos perdidos e uma estrada alcatroada, seria a forma de nos encaminharmos para casa com um saco de bolotas às costas. Talvez assim o nosso pai não nos batesse….
A trovoada estalou poucos segundos antes de uma saraivada nos começar a encharcar, quando já não conseguíamos distinguir as landes das doces, tal era a dificuldade em permanecermos atentos aos sobreiros ou às azinheiras, que quando o montado se tornava menos denso se confundiam e se misturavam alargando o espaço da nossa confusão.
Anoitecera. Mas adiante, em fuga dos últimos gigantes amovíveis de amplas copas e descanso da chuva impiedosa, surgia um espaço reluzente que nos dava a percepção de uma estrada das de alcatrão.
O medo dera lugar aos gritos e sorrisos de glória, sem que ainda tivéssemos percebido o caminho a percorrer estrada fora, com o peso da justificação da nossa ausência em casa, às costas.
Eu e o meu irmão do meio, colocámos entre nós o nosso companheiro de aventura, mas o forte dele era mesmo as brincadeiras de cowboys, que quantas vezes nos levavam a distâncias superiores às nossas idades , na procura dos índios apaches, quase sempre.
O Billy The Kid lá do bairro chorava desalmadamente, enquanto caminhávamos ensopados e apressados e isso foi razão para lhe aliviarmos o saco de bolotas, distribuindo a carga pelos nossos.
Tínhamos entrado então na estrada de Arraiolos bem perto do cruzamento da Valeira e restava-nos 10 kilómetros até chegarmos a Évora.
Passados 5 deles, a cidade surge ao longe pela insinuação da sua iluminação.
Os nossos pais estariam invariavelmente como estavam sempre que as nossas aventuras excediam os limites de ténues fronteiras que algumas vezes nos eram impostas ,mas nunca cumpridas e sabe-se lá porquê…
O pai enfurecido esperava-nos de cinto na mão, a mesa posta para o jantar, assumido só depois da autorização do dono da casa.. A mãe com a mão na boca, fazia apelos aos santos da sua devoção, aguardando na retaguarda de todos os acontecimentos de pacificação demorada de tudo que estaria para acontecer.
Tal como Egas Moniz disponibilizou os filhos para que o castigo acontecesse, eu e o meu irmão, tentámos expor os sacos de bolotas, sem que o tempo ou a fúria instituída permitisse explicações, pois o cinto começava a marcar-nos nas pernas semi envoltas nos calções agarrados aos suspensórios.
Não me lembro o que aconteceu às bolotas, nem me recordo se eram todas doces.
Recordo-me apenas desta história

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